Opinião | Sobre o direito de ir, vir e viver dos trabalhadores no século XXI

Imagem gerada com IA

“Meus funcionários não conseguem mais pagar o aluguel, não estão conseguindo morar, têm que procurar moradias cada vez mais precárias e longe! Não sei mais o que fazer, está virando um problema social.” Esta afirmação foi feita por um empresário durante a sessão de um dos Conselhos deliberativos de participação social de Blumenau e é um termômetro sobre a importância de políticas públicas cada vez mais inteligentes, efetivas, justas e integradas.

Desde o século XIX, após a revolução industrial, quando os trabalhadores se aglomeravam em torno das fábricas e minas recém criadas, trabalhando 12 horas por dia, habitando pocilgas alugadas e insalubres sem banheiro, sendo explorados por um capitalismo voraz e desumano, tentamos melhorar estas condições e ampliar os direitos humanos e trabalhistas. 

Apesar de muitos avanços, nenhum deles sem a luta decisiva da classe trabalhadora, sindicatos e movimentos sociais, o capitalismo jamais gerou tanta injustiça social, desigualdade e concentração de renda como hoje, empurrando a mão de obra cada vez mais para as periferias urbanas, sem serviços e infraestrutura. Avançar na humanização das relações capital x trabalho e na melhoria da qualidade de vida e urbanismo das cidades é um desafio urgente de todos nós: cidadãos, movimentos sociais, partidos políticos, empresários, governantes, universidades e trabalhadores. Garantir os direitos fundamentais, entre eles o direito de ir e vir, mas também viver, se divertir, acessar entretenimento, cultura e lazer; espaços públicos de qualidade, eventos gratuítos e cidadania plena, uma vida realmente digna e saudável; deve estar na essência das políticas públicas e decisões governamentais em todos os níveis.

No Brasil, o vale-transporte (VT) é um benefício trabalhista previsto na Lei nº 7.418/1985. Ele tem como objetivo ajudar o trabalhador a cobrir as despesas com deslocamento residência ↔ trabalho por meios de transporte coletivo público urbano e intermunicipal. Além do empregador descontar 6% do salário do empregado (Se o custo total do transporte for menor que 6% do salário, o trabalhador arca com todo o custo.), o trabalhador não pode usar o VT para outros fins, ou seja, ele não tem direito a acessar cultura, lazer, saúde, entretenimento ou mesmo consumir e comprar. Desumano, ainda mais num dos países mais desiguais do mundo, campeão em concentração de renda, onde o 1% mais rico detém 30% de toda a renda nacional.

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.” (Artigo 6º, Constituição Federal, Emenda Constitucional nº 90/2015)

O tarifa zero, já em funcionamento e com bons resultados em 150 cidades brasileiras, é uma solução inteligente, eficiente, sustentável, justa e inovadora que pode mudar essa realidade inaceitável e garantir o pleno exercício dos direitos sociais previstos na nossa Constituição Cidadã de 1988, uma das mais avançadas e democráticas do mundo livre. Cabe a nós, cobrarmos da Secretaria de Planejamento e da Secretaria de Transportes da Prefeitura de Blumenau, o desenvolvimento de estudos técnicos e estratégicos para buscar a viabilidade e o modelo ideal de tarifa zero a partir da nossa realidade.

Para ilustrar sua viabilidade, hoje no Brasil, as gratuidades já alcançam 25%, atendendo pessoas com deficiência, estudantes, idosos, agentes de segurança pública, entre outros; se somarmos mais 40% que utilizam o sistema pagando com o vale-transporte, fica claro que alguma coisa está errada, perdemos a capacidade de pensar, de analisar todo o sistema utilizando dados, resultados e impacto na vida real das pessoas e das cidades, sem falar nas externalidades, que melhoram todo o trânsito da cidade, a qualidade do ar, a saúde pública, a venda do comércio e a saúde mental dos habitantes municipais.

Outro exemplo de que há algo errado são os mais de R$ 50 milhões que a Prefeitura de Blumenau vai repassar apenas em 2025 para subsidiar 40% do custo da tarifa do transporte público, pior, baseado num sistema de cobrança por passageiro e não por km/rodado, que já se mostrou falido, injusto e insustentável no mundo todo.

Considerações importantes (produzido com auxílio de Inteligência Artificial)

  • O subsídio tem crescido desde 2020, principalmente como resposta ao desequilíbrio pós-pandemia. 
  • A prefeitura contestou recentemente a tarifa técnica proposta (R$ 8,98), buscando evitar aumentos que impactem os usuários mais vulneráveis 
  • Esses subsídios vêm para equilibrar o contrato da concessão e manter o transporte viável para a população sem repassar todo o custo integralmente para o passageiro.

O modelo de transporte coletivo pré-pandemia está falido no mundo todo, em todos os lugares onde foram realizados estudos técnicos e financeiros sérios e profundos, ficou comprovado a inviabilidade da cobrança por passageiro, a necessidade da elaboração de melhores termos de referência para as licitações públicas, a importância do envolvimento de universidades para estudos e avaliações permanentes; mas principalmente colocar o interesse público acima de tudo, olhando para a sustentabilidade e viabilidade do sistema para os próximos 10 anos. 

Neste sentido, além de novas tecnologias, inovação, digitalização, corredores exclusivos, terminais urbanos como pólos de serviço, cultura, comércio e cidadania, integração multimodal (caminhar, pedalar/ciclovias, micromobilidade, uber, táxis com o ônibus como o principal vetor da mobilidade urbana), planejamento e decisões baseada em dados; o tarifa zero está se provando como uma das soluções mais inteligentes e efetivas para as pessoas, para a economia, para a qualidade ambiental, transição energética e até para os cofres públicos, que com o tempo, arrecada mais impostos e otimiza os recursos públicos, que em última instância somos todos nós que pagamos.

Então, quando pessoas que não estão comprometidas de verdade com o debate público ou nutrem preconceitos baseados em modelos urbanos e sociais do século passado, apresentarem “argumentos” do tipo “não existe almoço grátis, alguém vai pagar a conta!”, perca seu tempo para explicar o óbvio, todo o recurso público vem de impostos que são pagos por todos nós. Assim, quanto mais e melhores políticas públicas e soluções inteligentes, que impactem diretamente numa vida melhor e mais justa para todos, melhorando a qualidade de vida e o funcionamento de nossas cidades, mais próximos estaremos dessa cidade para todos e com todos. 

O que precisamos agora é ter certeza de que a tarifa zero não apenas é viável, inteligente e sustentável, mas necessária. Vamos lutar para que essa conquista se torne realidade em nossa cidade, por isso, publicaremos uma série de artigos sobre o tema, convidando a sociedade blumenauense a pensar e debater sobre o melhor caminho para uma mobilidade urbana sustentável e esse sonho possível, quando poderemos passear, visitar familiares e amigos, ir a shows, estudar, comprar e trabalhar sem pagar nenhum centavo além dos impostos que já pagamos.

Christian Krambeck, Arquiteto e Urbanista, empresário e professor de Arquitetura e Urbanismo FURB

2 Comentário

  1. 👏👏👏 Parabéns, Christian Kranberg, por esse texto lúcido e necessário! É inspirador ver um colega arquiteto e conterrâneo de Blumenau como você levantar com tanta clareza a bandeira do direito fundamental à mobilidade urbana digna. A proposta da tarifa zero no transporte público é mais do que uma medida social: é um reposicionamento ético e civilizatório da cidade em relação ao seu povo.

    Além dos excelentes argumentos que você traz, sobretudo sobre o acesso pleno à cidade por parte dos trabalhadores e a urgente superação do modelo excludente de mobilidade, acrescento um ponto crucial: a tarifa zero também é uma estratégia potente de enfrentamento à crise climática. Ao incentivar o uso do transporte coletivo em detrimento do carro individual, reduzimos drasticamente as emissões de carbono e a poluição urbana, tornando as cidades mais sustentáveis e saudáveis.

    Aplaudo sua coragem e clareza, Christian. Que esse debate se amplifique em Blumenau e no Brasil. Precisamos de mais vozes como a sua! 👏👏👏

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