Opinião | Santa Catarina: destino migratório do Brasil

Imagem gerada com IA

Divulgado pelo IBGE em 2022 na matéria “Para onde os brasileiros vão”, o mapa da migração interna brasileira confirma o que venho afirmando em artigos neste Jornal, inclusive no canal SC Think Tank, no Youtube: é o estado mais promissor do Brasil, maior destino de migrantes brasileiros. Conquanto se possa comemorar o fato pelo que representa em termos de mérito, é necessário ressalvar que isso não é um bom sinal para o Brasil e dever ser um sinal de alerta para Santa Catarina.

Salta aos olhos a diferença. Segundo o IBGE (2022), recebemos quase o dobro do segundo colocado, Goiás, mais que o triplo de Minas Gerais e quatro vezes mais do que o Paraná, enquanto São Paulo e Rio de Janeiro perdem população, provavelmente pela insuportável e vergonhosa violência em suas capitais. 

Nessa perspectiva, a motivação do deslocamento migratório pra Santa Catarina é óbvia e pouco questionável: melhor qualidade de vida e oportunidades econômicas diversificadas. Segundo os analistas, são melhores condições de emprego, segurança, educação e infraestrutura. 

Mas não é preocupante? Se Santa Catarina atrai por esses motivos – e é por esses motivos – imagina como estão essas condições no restante do Brasil, com raras exceções. Isso é sinal de que o Brasil continua tragicamente incapaz de equilibrar oportunidades de trabalho, renda e segurança, expulsando gente de estados que poderiam ser paradisíacos.  

Condições de emprego? Sim, comparativamente leve-se em conta que temos – ou tínhamos antes do tarifaço – o melhor índice de desemprego do País: 2,2% – é pleno emprego. Agora: a média salarial nada tem de extraordinário se comparada com a Europa, a América do Norte e, mesmo, países vizinhos. 

Só que, comparados com o que se ganha em outras regiões, parece primeiro mundo. Os relatos de comparação salarial de brasileiros de outros estados são de desacreditar no futuro deste País. Bem no fim, é uma vergonha nacional e é ilusório aumentar o salário mínimo, porque é a oferta e procura que determina o soldo. O resto é combate ao patrimonialismo e educação estrategicamente voltada à formação de capital humano. E o resto mesmo é papo furado.

Segurança pública? Tá bem: SC é primeiro lugar no relatório do Centro de Liderança Pública – CLP, que mencionei no artigo anterior. Temos boas Polícia Militar e Civil (capital humano), com o melhor índice de resolução de crimes que é de mais de 80%, enquanto a média do Brasil é de 20%. Some-se uma cultura do trabalho e da civilidade, e isso nos leva à menor taxa de homicídios do País: 8,9 por 100 mil habitantes, enquanto a brasileira é acima de 20 por 100 mil. 

Agora: compara com os EUA: 6 por 100 mil; com o Egito: 3 por 100 mil; Argélia: 2,5; Marrocos e Tunísia: 1,5. Agora, pega a Itália, a Alemanha, Portugal e Polônia, de onde vieram nossos colonizadores: menos de 1 por 100 mil. Significa que qualquer comparação com nações desenvolvidas nos mostra que estamos a um passo da tragédia brasileira que, entra e sai governo, não se resolve.

Educação? Podemos falar da educação informal, do povo, algo que também vai ficando no passado. Mas, a educação escolar catarinense, que já esteve entre as melhores, perde posições ano a ano; mais de 70% dos docentes são temporários, suas cargas horárias são altas e a noção de autoridade professoral foi democraticamente aniquilada. Os imigrantes se contentam com o acesso dos filhos à escola, mas: e a qualidade? Esqueça-se. 

Infraestrutura? Cerca 69% das estradas em condições “insatisfatórias”, elevado número de acidentes rodoviários, atrasos e paralisações de obras. Resta o consolo de que o trabalho das polícias rodoviárias reduziu as taxas de morte nas estradas, que já estiveram entre as mais altas do País. 

Isso não tira o mérito de trabalhadores e empreendedores que sustentam bons índices de cidades catarinenses que, como mostramos em artigo anterior, as coloca entre as melhores do Brasil. Florianópolis, Jaraguá, Blumenau, São Bento, Criciúma, Tubarão, Joinville, Chapecó, Concórdia, Brusque, Itajaí, Balneário Camboriú, sem falar nas dezenas de cidades com menos de 80 mil habitantes, pujantes e seguras, que ajudam a nos salvar. Mas, até quando, Brasil?   

Então, Santa Catarina não poderá ser o refúgio eterno de um País que insiste em falhar com o seu próprio povo. Se o estado catarinense está à frente nos indicadores que atraem imigrantes, não é porque somos um paraíso. É que, tirando as exceções demonstradas no mapa, o País não consegue oferecer condições melhores do que as razoáveis condições que aqui ainda oferecemos.

Tudo isso significa um péssimo sinal ao Brasil, que não perde a oportunidade de perder uma oportunidade, dizia o economista Roberto Campos (1917-2001). E, conquanto os dados nos engrandeçam, significa um sério sinal de alerta a Santa Catarina, que não conseguirá, sozinho garantir a prosperidade, envolvido na mediocridade nacional.

Walter Marcos Knaesel Birkner – sociólogo, canal no Youtube: SC Think Tank

3 Comentário

  1. O estado mais “bolsonarista” da federação, conforme a imprensa e os dados.
    Mas é o estado que mais recebe imigrantes nacionais, principalmente dos estados onde o “lulismo” prevaleceu .
    Não tem nenhum cunho político, mas que os dados são interessantes, não se pode negar .Fica a retórica , socialismo é bom enquanto existir o capitalismo .
    Voto em Lula , mas quero viver em um estado que a maioria votou em Bolsonaro .

  2. Então Santa Catarina é o estado mais promissor do Brasil, maior destino de migrantes internos e exemplo de segurança, empregabilidade e qualidade de vida. Bem, o tom celebratório ignora as contradições sociais e econômicas que sustentam essa atratividade. A narrativa é sobre migrantes atraídos pelo mérito catarinense, quando, na realidade sabemos que a migração para o estado reflete a mesma lógica histórica dos fluxos migratórios mundiais: a busca por sobrevivência e por qualquer forma de inserção econômica, ainda que precária. É por isso que temos quase 2 milhões de brasileiros vivendo nos EUA, trabalhando em sua maioria esmagadora ne construção civil e tantos outros empregos que os americanos não querem mais. São doutores latinos, sim somos latinos, dirigindo UBER na Flórida e isso inclui criminosos foragidos daqui como o Allan dos Santos.
    Grande parte dos migrantes que chegam a Santa Catarina encontram espaço apenas para esses setores de trabalho mal remunerados, como construção civil, frigoríficos, supermercados, limpeza e serviços de baixa qualificação — áreas que, por sua natureza extenuante e risco, são evitadas por nós catarinenses. Já repararam de onde é o caixa ou de onde é o repositor das grandes redes supermercadistas? Portanto a presença de migrantes não traduz reconhecimento social, mas apenas a tolerância condicionada à utilidade econômica. Trata-se de uma aceitação limitada, marcada por xenofobia velada, diria até explicita, e por um sistema que naturaliza a desigualdade.
    A xenofobia em Santa Catarina, longe de ser exceção, torna-se um reflexo de como o estado lida com a alteridade: o migrante é aceito enquanto trabalhador barato, mas raramente integrado como sujeito de direitos. Tal qual os padrões globais de marginalização de grupos migrantes, semelhantes aos observados na Europa e nos Estados Unidos, onde o deslocamento humano é muitas vezes criminalizado ou transformado em mão de obra descartável.
    Enquanto a opinião exalta indicadores e o mérito regional, a análise mais profunda evidencia o lado oculto dessa narrativa: a coexistência entre prosperidade aparente e exclusão real. O estado está longe de aprender que o desenvolvimento verdadeiro não se mede apenas por um índice econômico, mas sim pela capacidade de acolher, integrar e respeitar quem chega. E isso, pelo que se enxerga nas ruas e nas redes sociais, está muito mais distante em SC do que em qualquer outro estado da federação.

  3. O suposto “mérito” catarinense não nasce da atualidade, mas de um passado de colonização desigual que favoreceu o estado desde o século XIX. Enquanto o Nordeste e o Sudeste se estruturaram sobre o trabalho escravo e a grande propriedade rural, Santa Catarina recebeu imigrantes europeus livres, pequenos agricultores que construíram uma economia baseada na pequena propriedade e no trabalho familiar. Mais de 100 mil europeus, entre alemães, italianos e poloneses, vieram para cá entre 1800 e 1900, formando comunidades autossuficientes e cooperativas. Já nas regiões escravistas como o nordeste, a abolição da escravidão em 1888 lançou milhões de negros à própria sorte, sem políticas de inclusão ou de reparação formando assim uma base cultural desestruturada. Aliais, quando hoje temos politicas de reparação como as “cotas para negros”, o racismo estrutural aflora no pensamento racista dos catarinenses e xingamentos são ditos com forte destaque pelas redes socias, inclusive de muitos politicos daqui. Portanto, o atual destaque socioeconômico de Santa Catarina não é fruto de superioridade cultural, mas consequência de condições históricas desiguais que moldaram o país e que hoje se repetem.

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