Opinião | Realismo, Educação e longo prazo

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Desvios de recursos da Educação causam a demissão de mais um ministro. Uma investigação da PF vê pagamentos de propina ao atual ministro da Casa Civil para a então reeleição de Dilma Roussef. Corriqueiros, são fenômenos da mesma cepa que gera vergonhosos crimes e levam prefeitos catarinenses ao xadrez: a velha raiz do patrimonialismo e um de seus galhos, o clientelismo. Por maior que seja a indignação, entretanto, precisamos ultrapassar o sentido moral do assunto, compreende-lo racionalmente e gerar uma perspectiva de longo prazo.

A corrupção no FNDE inclui religiosos ávidos por propina, superfaturamento de ônibus escolares, verbas pra construir escolas de mentira, além de consultorias de araque. Tudo controlado por dois chefes de partido, operado por gente de confiança, lesando o patrimônio público, dinheiro de todos, dinheiro de ninguém. É difícil dizer o que é mais imoral, se roubar dinheiro da Petrobrás ou da Educação, (meu Deus!) e em nome de Deus! Seja como for, a cepa é a mesma. Sai um ladrão, entra outro e, com todas as promessas, nada muda. É preciso fé pra defender essa gente.

Na época do “petrolão”, onde estavam esses chefes patrimonialistas, controladores do atual esquema de corrupção? Controlando outros esquemas de um governo falido, cuja reeleição dependeu de muita “graxa” pra lubrificar a engrenagem. Aliás, governos fracos são os preferidos desses “líderes”. Chamar um ex-presidente da República de chefe de quadrilha e ex-presidiário é tão útil quanto ignorar que a alcunha cabe mesmo é no presidente do partido do presidente da República e de seu chefe da Casa Civil. Curiosamente, amicíssimos de um e de outro.

E essa pocilga é constituída legitimamente pelo voto de suas clientelas. Seus eleitores sabem, bem no fim, que seus votos foram comprados com o dinheiro que sai limpo do esforço de quem trabalha e se suja nas mãos desses ladrões do patrimônio público. Mas não se importam, porque sempre foi assim e “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Aí, esse dinheiro sujo tem que ser lavado através do superfaturamento e cai limpo nas contas dos legitimamente eleitos, cujos patrimônios dependem do voto de seus clientes e de governos fracos.

Mas, no Brasil, como noutro país qualquer de poltrões, sempre foi assim. A reconhecida OnG Transparência Internacional nos classifica, atualmente, como o 96º no ranking da honestidade, moralmente à frente de outras potências do submundo da civilização. Fundamentalmente, porém, o problema nem é de ordem moral. Normalizados na cabeça do brasileiro, os fenômenos do patrimonialismo e do clientelismo nos expõe entre os povos mais corruptos e pusilânimes, destruindo nossa imagem e o sonho de potência. É um problema civilizatório, sim, mas também de desenvolvimento, de futuro.

O reflexo disso é que um em cada dois jovens de 16 a 29 anos quer sair do País. A maioria nem sabe que de tudo que o Estado arrecada, 30% se perde em corrupção –estamos falando de ao menos R$ 700 bilhões, sem contar os privilégios constitucionais de minorias imorais. Nossos jovens, simplesmente, sentem isso na falta de oportunidades. E quando um jovem doutorando lê um edital do governo à contratação de professores universitários que oferece um salário mínimo de remuneração por 20 horas semanais, ele sente orgulho de ser brasileiro, aprimora o inglês e vai entregar pizzas na Inglaterra.

Tudo isso, e muito mais nessa piolheira, anula qualquer perspectiva de curto prazo e nos leva à única esperança de que, se começássemos agora a inserir esses temas na Educação básica, teríamos algum resultado em três décadas. Nem é muito tempo. Pensar que o próximo presidente, igualmente rendido ao centrão patrimonialista, possa alterar o curso, com intuição e altruísmo, já está provado que não funciona. Só o fanatismo e a hipocrisia nos cegam quanto a isso.

Não é o fato de que ninguém presta, porque sempre há bons candidatos, mas quase nunca ganham. Então, a alternativa é a Educação e de longo prazo. Deve ser conservadora, com resiliência, como ensinam os empreendedores econômicos e alguns políticos honestos. Deve ser uma Educação mais do que liberal democrática, baseada nos direitos individuais. Deve ser baseada no interesse coletivo, discutindo os temas que interessam ao desenvolvimento do País e de cada região, e não somente aos grupos identitários.

Numa frente, é preciso mexer nas feridas, por meio de conceitos como o patrimonialismo, descobrindo quem somos de verdade, sem culpar os outros pelos nossos erros e falta de caráter. Como dizia um filósofo alemão, “nenhum povo evolui se não vai às suas entranhas”. Noutra frente, precisamos ensinar nossas crianças que ser honesto, empreendedor e cooperativo vale à pena, não por uma questão moral, mas porque é o que gera a riqueza dos povos e todos ganham. Estudos e exemplos sobram sobre isso, só os fanáticos não o veem e até os cretinos o sabem.

É claro, pra isso acontecer, temos que “combinar com os russos”, como dizia o Garrincha. Ideologias e crenças atrapalham, mas o diálogo e a cooperação vencem no final. É reunir professores, pesquisadores, empresários, trabalhadores e agentes políticos formais e informais. Esse diálogo nacional, desde as microrregiões, poderia ser coordenado pelo Ministério da Educação. Mas, antes de escolher nossos representantes, deveríamos perguntar quem será o ministro da Educação. Não pode ser um imbecil, nem um covarde, não na Educação, pelo amor de Deus e às crianças, não!

É preciso reconhecer que entre enfiar isso na cabeça do eleitor, estabelecer esse consenso e começar, só se pode pensar no longo prazo, quando, é verdade, dizia o economista inglês John Maynard Keynes, estaremos todos mortos. Mas nossos filhos e netos estarão lá e poderão se orgulhar de seus antepassados por lhes terem ensinado coisas boas, como Keynes, que salvou o capitalismo com suas ideias obstinadas e assimiladas com o tempo. Se é que entendemos o princípio básico da evolução, nossos descendentes merecem expectativas melhores do que as que, honestamente, podemos ter do nosso País, ao menos no curto prazo.

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