Opinião | Orgulho e preconceito: parte II

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No artigo anterior, parte I, me posicionei acerca da condescendência servil de políticos catarinenses, como o governador Jorginho Mello, em apadrinhar a candidatura de um vereador carioca ao senado por Santa Catarina. Expus o meu preconceito, afirmando que eleger um intruso sem raízes e sem envergadura moral no lugar de um catarinense seria – e pode vir a ser – uma vergonha.  E confundir isso com um projeto “conservador” é um insulto à inteligência e uma afetação ao orgulho de ser.

É uma vergonha porque desonra o ato da representação política. Um senador deve ser a representação fiel do espírito do povo de seu estado, acima da própria fidelidade partidária. Quando se traz alguém que desconhece a cultura de um povo, o mandato será uma farsa – já acontece com a atuação do eleito em 2022 e conterrâneo do mencionado vereador– sim, aquele que foi ao show da Madonna, em nome dos bons costumes, em plena tragédia no Rio Grande do Sul. Essa vergonha Santa Catarina é obrigada a assumir. 

É uma vergonha eleger um vereador carioca ao Senado por SC porque rebaixa a política catarinense a um balcão de zona. Apadrinhar, defender ou eleger um vereador carioca ao Senado é estender a bandeira para um forasteiro limpar a sola do calçado, antes de chegar ao balcão. É inadmissível a um cidadão reputado. É ignorar nomes históricos como o do senador Esperidião Amin — um dos melhores do País –, que pode perder o cargo para um forasteiro. É falta de orgulho e de vergonha na cara. 

É um insulto à inteligência por confundir essa empreitada nepotista com um “projeto conservador”. Significa uma farsa apoiada por ingênuos e reacionários obscurantistas que ou não enxergam ou não se importam com o que não passa de um plano familiar. Um verdadeiro conservador preserva a identidade territorial, prefere seus conterrâneos provincianos a cair no conto de visitantes universalistas; conserva o que funciona, valoriza a história da sua comunidade, preserva a tradição, evita rupturas oportunistas e desconfia de aventureiros. 

Não é conservador aceitar tudo ajoelhado diante da própria desonra para proteger interesses alheios. Na política, conservadorismo não é sinônimo de genuflexão servil, mas de impor limites morais que preservem a reputação coletiva – ainda que isso pareça piegas aos universalistas. Um conservador zela por princípios. E quando a estratégia atropela o etos de um povo para transformar um estado em reduto familiar, isso não é a defesa da Família, é nepotismo dentro do patrimonialismo. Como alguém pode justificar uma escolha dessas em nome do conservadorismo e do combate à corrupção, meu Deus?

E sim, isso atinge o orgulho de ser catarinense, como feriria o orgulho de um cearense, de um goiano, um gaúcho ou um paranaense. Importar um estranho à nossa identidade, um paraquedista, é como dizer: não há alguém aqui capaz. Como se Santa Catarina, com sua diversidade cultural e produtiva, precisasse importar representação. Afinal, se tivermos candidatos ao senado como o senador Amin e o prefeito João Rodrigues de Chapecó, sem contar outros, pra quê um forasteiro? No que isso contribui com Santa Catarina? Vai agilizar a duplicação da 470 ou da 280? Sabemos, por experiência, que não. 

Admito: não se trata de uma análise isenta, mas de um desabafo e um convite à ética, que é sempre uma escolha diante de opções morais. Tampouco há a presunção de convencer alguém; nem um adolescente eu convenceria. Com a educação e a cultura vulgo-liberal e universalista que todos recebemos, cada um sabe como votar e o senso de pertencimento desaparece do escopo. E, bem no fim, não é a razão, tampouco o orgulho que decidem: são as emoções (simpatias, antipatias, idolatrias, os “amo”, “odeio” etc.). Mas, onde não há orgulho de ser, não há mais o que fazer (Nietzsche, filósofo alemão). 

Um prognóstico me faria admitir: se se candidatar, o vereador carioca será eleito. Em 2022, o senador eleito recebeu votos de cerca de 28% dos eleitores catarinenses (39% dos válidos) e o segundo colocado cerca de 12%. É quase óbvio que se 28% dos eleitores catarinenses que votaram em Bolsonaro votaram em um carioca indicado por ele, algo parecido beneficiará outro carioca, por acaso seu filho. E pouco importa se a taxação de 50% à carne de porco, aos compensados, móveis, motores, transformadores, têxteis e softwares de Santa Catarina vai provocar demissões por aqui. Aos que não têm orgulho, o que importa é ter dois patriotas do Senado ao lado do presidente dos EUA.

Walter Marcos Knaesel Birkner, Autor de Sociologia produtiva: BNCC, desenvolvimento e interdisciplinaridade. Florianópolis, Arqué, 2024

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