Opinião | Ordem, progresso, sorte ou azar?

Foto: reprodução

No último dia 22, Celso Soares de Andrade seguia de moto pela BR-365, em Patos de Minas, Minas Gerais. Porém, a viagem acabou quando, em um trecho cheio de buracos, um caminhão desgovernado invadiu a contramão. Parece coisa de filme, mas não é: Bianca Rosa Soares, filha de Celso, decidiu retornar ao trecho do acidente fatal e, com a ajuda de parentes, tapou os buracos com terra. Os religiosos diriam que tudo aconteceu porque “chegou a hora dele”, era o seu destino. Outros afirmariam que foi azar, afinal, acidentes acontecem. Mas há também quem não aceite nem mesmo chamar o caso de acidente, porque impostos são pagos e a estrada não deveria estar em mal estado.

Porém, a vida tem seus imprevistos, com dias em que há “um sol para cada um” e outros de chuva pesada. Com o tempo, é natural que as coisas estraguem, mas e quando ninguém arruma? Aí, uns desviam dos infortúnios e seguem suas vidas, enquanto para outros, é como escreveu Carlos Drummond de Andrade: “no meio do caminho havia uma pedra”. Entre esses, existe quem chame a imprensa para fazer denúncias, “esperneie” nas redes sociais e, no caso dos mais debochados, há quem plante árvores, faça festa de aniversário para obras inacabadas ou, como ocorreu mês passado em Blumenau, Santa Catarina, sinalize buracos no asfalto com a bandeira do Brasil.

É aí que tragédias como o soterramento de mais de 60 pessoas em São Sebastião, São Paulo, deixam algumas dúvidas: foi azar, era o destino ou um acidente? O que causa estranheza é que, por exemplo, o Principado de Monaco, onde ocorre a famosa corrida de Fórmula 1, também fica entre o mar e encostas, mas por que lá chove e ninguém morre em deslizamentos de terra?

O problema não é o imposto 

Apesar de as vias públicas esburacadas serem prova de que os governos “pisam na bola”, estrada empoeirada não significa necessariamente ser “cheia de pó”, né? Então por que será que em Poconé, Mato Grosso, a polícia encontrou quase duas toneladas de cloridrato de cocaína escondidas no mato? Convenhamos, o povo também não colabora, como também demonstra notícia da Folha de Vitória, jornal do Espírito Santo. Por lá, teve tanto atestado por doença no carnaval que empresas contrataram um detetive para flagrar funcionários que estavam na folia! Parece até brincadeira, mas não é, como no último dia 27, quando Lula se vacinou contra a Covid e, coincidentemente, a Bolsa de Valores fechou em queda. Coisas de um país que teima em ser engraçado.

Os mais irônicos aproveitaram para perguntar sobre o motivo de a Bolsa não ter caído no dia da tragédia em São Sebastião, enquanto outros acusaram o mercado financeiro por não ter feito uma “vaquinha” para ajudar as vítimas. Opiniões à parte, a realidade é que se perde muita energia com polêmica desnecessária em um país com tanto ainda por fazer. Melhor deixar as acusações e defesa de político para a Justiça e simplificar as coisas: tragédias como a de São Sebastião não são azar, mas uma consequência da pobreza, omissão ou mal uso de dinheiro público. Infelizmente, quadro que ainda pode ser verificado nas periferias da maior parte do Brasil. 

Nesse caso, ao menos pode-se observar lições para o futuro: o presidente é do PT, o governador é do PL e o prefeito é do PSDB, mas todos tem trabalhado sem acusações ou rixas, visando a solução do problema. Que seja cada vez mais assim porque político responsável não pauta suas ações por rivalidades, mas sim pelas necessidades da população e do país. Que o exemplo frutifique e o brasileiro compreenda que política não é defender candidato, como quem torce para time de futebol, e nem se restringe ao período eleitoral. 

Vamos caminhando e, quem sabe, um dia a classe política e a população compreendam que para evoluir, reformas no Estado, como a tributária, são necessárias e devem ocorrer sempre. A grande questão é: as reformas acabarão melhorando a qualidade dos serviços públicos ou vão enfraquecê-los? É necessário ficar claro que não são os impostos ou os programas sociais que acabam com o país, e sim o roubo e o mal uso do dinheiro público. Só que nada acontece por mágica, então para chegar nesse estágio, resta parar de perder tempo com aparências e exigir eficiência, independente de quem esteja no poder. Entre a sorte e o azar, optemos por mais ordem e progresso.

Fernando Ringel, jornalista e professor universitário

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