Opinião | O ENEM e as pontas soltas – parte I

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Temos sugerido temas caros para explicar o processo histórico do desenvolvimento catarinense. Capital humano, capital social e a ideia de sistema social. Quanto mais sólido o sistema social, maior a interconexão, mais desenvolvida a sociedade, cujos indivíduos e organizações sabem ligar as pontas. A última edição do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, contudo, mostra pontas soltas no Brasil, o que serve de alerta a Santa Catarina. Falta amarração entre Educação e desenvolvimento.

Nossa análise é sistêmica, insisto. Quando falamos em capital social, é cooperação, solidariedade, associativismo, civismo, diálogo e confiança mútua, sem o que uma sociedade atrofia sua própria potência. Essa conjunção sistêmica não só é a causa do sucesso de sociedades e indivíduos; é seu principal fator evolutivo. Quem achar aí um paradoxo, continua preso à ideia do darwinismo social, que louvava a competição sangrenta, à revelia do próprio Darwin, até hoje mal interpretado nas Humanidades.

Palavra cara, Educação é fenômeno igualmente oriundo do capital social, fator de evolução que forma o capital humano e gera o impulso que nos empurra do simples ao complexo. Afinal, “por que simplificar, se podemos complicar?”, perguntava o filósofo alemão no século XVIII. A resposta está na eterna insatisfação humana e é por essa angústia vital do Ocidente ao Oriente que os povos desenvolvidos são obcecados pela Educação e a ligam estrategicamente ao objetivo material do desenvolvimento.

Ainda que certo pensamento crítico afirme que esse propósito não passa de uma construção histórica do Ocidente, o fato é que desenvolvimento é um desejo quase universal de indivíduos e sociedades, fugindo da pobreza em busca de bem-estar. E essa busca é bem sucedida sempre que governos e sociedades estabelecem a vinculação estratégica entre Educação e desenvolvimento. Se concordamos com isso, então podemos nos perguntar como anda a Educação brasileira nesse aspecto.

Afinal: O que pode nos revelar uma análise das 90 questões da primeira etapa do ENEM, de ciências humanas, linguagens e redação, realizada no dia 05 de novembro último? Primeiramente, é importante reconhecer que as questões são bem formuladas, exigindo o raciocínio lógico, conquanto tendenciosas, algumas. Em segundo lugar, aborda temas importantes, de valor civilizatório e, portanto, estabelecendo alguma relação com o desenvolvimento. Em terceiro lugar, é preciso dizer que essa relação é, todavia, fraca.

Apesar da formulação lógica, como já observei, algumas questões conduzem o respondente a deduzir o que o formulador quer que ele responda e não expressam a liberdade de juízo do aluno. Isso não é bom porque se o enunciado da questão sugere que a economia capitalista é essencialmente um mal a ser combatido, não há alternativa possível para um jovem cuja perspectiva de projeto de vida é se inserir no mercado de trabalho e ser bem sucedido. Qualquer que seja o “xis” da questão, não expressará sua opinião, mas a vontade do formulador.

Contudo, a maioria dos temas que as questões privilegiam têm importância:  cidadania, movimentos sociais, desigualdades sociais, combate ao racismo, à homofobia, o papel das mulheres, defesa da diversidade cultural e preocupações com os indígenas etc. Outros temas como o conflito de terras, a violência e as agressões ao meio ambiente são tendenciosas e generalizam o agronegócio, como se tudo permanecesse igual à década de setenta. Assistir um Globo Rural ou algo do gênero faria bem ao intelecto desses autores.

Mas, sobretudo, é na ausência de outros temas que se percebe como a Educação está distante de uma conexão estratégica com o desenvolvimento. Sustentável, sem qualquer dúvida, ressalve-se. Mas, ao ignorar certos temas, me pergunto: pra que futuro estamos preparando nossos jovens? Certamente os assuntos acima fazem parte disso. Mas, como posso pensar a educação de jovens catarinenses e brasileiros sem estimulá-los a pensar o desenvolvimento econômico do País, da sua região e a uma predisposição a serem produtivos?

Aprofundar uma discussão a partir desta pergunta é o que pretendo fazer no artigo subsequente.

Walter Marcos Knaesel Birkner, sociólogo

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