Opinião: O bolsonarismo social

Foto: reprodução

O cerco legal e político ao Governo Bolsonaro vem provocando uma surpreendente transformação no padrão de operação do Bolsonarismo. Mais precisamente, promoveu a perda de centralidade do Bolsonarismo Ideológico e a emergência de um Bolsonarismo Social. Este processo se materializa na substituição do discurso da antipolítica pela negociação. Com esta mudança de estratégia o Bolsonarismo perde prestígio na classe média, mas aumenta a aceitação entre os mais pobres. O sucesso da substituição da estratégia de radicalismo político pela cooptação popular estabelece as condições políticas da realização eleição de 2022.

O Bolsonarismo Ideológico foi constituído por dois fenômenos que se retroalimentavam. Por um lado, a manipulação da indignação da Classe Média; por outro, a incitação da Polarização nas mídias sociais. Porém, as investigações em andamento diminuíram muito a capacidade de alimentação da militância digital bolsonarista nas redes sociais. Este processo de enfraquecimento da ala radical pode ser ilustrado pela declaração de Carlos Bolsonaro/02 de que se retiraria da política. Neste sentido, assinala os limites da instrumentalização de redes sociais e aplicativos de comunicação como armas de desinformação e, sobretudo, o estouro da Bolha de Raiva.

Já o Bolsonarismo Social constitui um fenômeno inesperado. Por um lado, surgiu da constatação dos efeitos positivos na imagem do governo provocado pelo fornecimento do Auxílio Emergencial de 600 reais na COVID-19.

Por outro, com bloqueio da Política de Polarização a retórica do Presidente Bolsonaro deixa de ser importante na estratégia de agitar seus seguidores e alimentar a propaganda política. Este processo depende tanto da capacidade de Bolsonaro evitar confrontos desnecessários, quanto da abertura de canais de negociação. Portanto, a estratégia é repaginar o Bolsa Família com o nome Renda Brasil e comprar o apoio do eleitorado pobre.

Evidentemente o surgimento do Bolsonarismo Social não elimina o Bolsonarismo Ideológico. Porém, perde importância na estratégia de reprodução política do Governo Bolsonaro. Como não pode contar com a espuma gerada pelas mídias sociais o Presidente Bolsonaro se vê forçado a abandonar a tática do ataque aberto às instituições. Afinal, para atrair o eleitorado, cooptar apoio político e neutralizar o STF, precisa moderar seu discurso anti-institucional. Assim, pelo menos a curto prazo, sai de cena a Nova Política e volta a Velha Política. Ou seja, substitui-se a estratégia de comunicação direta com a população por meio das mídias sociais pelo toma-lá-dá-cá aberto.

O esvaecimento da Política de Polarização possibilita a aproximação do Governo Bolsonaro do Centrão. Este processo foi causado por dois fenômenos contraditórios: a) a ruptura com o Lavajatismo: saída de Moro e o abandono da pauta anti-corupção; b) o isolamento do Olavismo: distanciamento da retórica do saneamento moral da política. A conjunção destes dois fenômenos marca o fim da estratégia de radicalização retórica e a busca de condições políticas para o financiamento do Renda Brasil. Afinal, como o Bolsonarismo Social não pode contar com o FUNDEB, depende ou do fim das deduções do Imposto de Renda ou da “nova CPMF”.

Porém, este processo de deslocamento ideológico vem acompanhado também pela captura política das instituições de controle. Mais precisamente, a instrumentalização política da PGR, da PF e do Ministério da Justiça. Trata-se, ao mesmo tempo, de conter as operações de fiscalização, mas também aumentar a capacidade de censura e a intimidação dos adversários. Isto acontece porque a perda da capacidade de politizar tudo nas mídias sociais implica politicamente um aumento da capacidade de manipulação institucional. Ou seja, o amolecimento discursivo tem como contrapartida política o endurecimento operacional do Bolsonarismo.

Por isto, assim como o escândalo do Mensalão em 2005 significou a morte do Petismo e o nascimento do Lulismo, também o cerco do Governo Bolsonaro constitui uma inflexão no Bolsonarismo. A propaganda do Petismo fundamentou-se em duas ideias-força: a) PT era o partido da ética na política; b) a forma petista de governar. Neste sentido, perda das bandeiras históricas provocadas pelo Mensalão levou a vários deputados saírem do PT e criarem o PSOL. O PSOL abandonou as questões sociais e assumiu uma agenda eminentemente identitária. Portanto, a questão é saber se a mudança Bolsonarismo vai fazer surgir um partido mais radical a direita.

As cores são diferentes, os personagens são diferentes e os resultados serão diferentes. Porém, existe uma homologia estrutural entre os dois processos de operações: a) instrumentalização da indignação da Classe Média para chegar no poder; b) instrumentalização da população pobre para permanecer no poder. Este processo reflete dois fenômenos principais. Por um lado, os efeitos políticos das desigualdades sociais; por outro, a capacidade de pressão exercida pelas engrenagens institucionais. Neste sentido, a lição deixada indica que toda estratégia de mudança política acaba se tornando refém tanto do populismo, quanto do corporativismo estatal.

O fato é que de acordo com a pesquisa XP/Ipespe o apoio ao Governo Bolsonaro aumentou. Segundo o levantamento realizado entre 13 e 15 de julho, 30% dos brasileiros consideram o governo “bom” ou “ótimo”. Mesmo com o descaso na gestão da COVID-19, as investigações das Fake News e as polêmicas em torno a prisão de Queiroz verifica-se uma oscilação positiva de dois pontos percentuais em relação à pesquisa de junho. Além disso, a avaliação “ruim” ou “péssimo” caiu três pontos no mesmo período, passando de 48% para 45%. Neste sentido, as eleições municipais serão o grande teste para saber se Bolsonaro chega politicamente vivo a 2022.

As mudanças induzidas pelo cerco do Governo Bolsonaro associadas aos efeitos do Auxilio Emergencial fizeram surgir o Bolsonarismo Social. Neste sentido, perde influência política o agitador radical de classe média das redes sociais, e emerge o trabalhador religioso conservador pobre. Por isto, o Presidente Bolsonaro abandonou a retórica ideológica e procurou atrair o apoio político do Centrão. Porém, os pontos de tensão continuaram pulsando e ninguém sabe exatamente até quando consegue manter a trégua. É esperar para ver se a mudança na composição interna do Bolsonarismo afeta o comportamento do Presidente Bolsonaro.

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