Opinião | Neoliberalismo e contrapartidas no Governo Lula

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Visando de modo amplo o cenário do direito econômico, é prudente manter a afirmação aventada por muitos de que o governo petista foi vanguarda na priorização dos trabalhadores e excluídos socialmente? Analisando as mudanças fiscais que mais sujeitaram os mais vulneráveis, é lúcido dizer que a priorização foi na realidade dedicada aos rentistas e investidores estrangeiros, os quais obtiveram recorde de lucros a partir destas mudanças legislativas.

O advento de programas sociais com a implantação do Plano Real tinha como objetivo prioritário a efetivação de direitos básicos como alimentação, moradia, educação, etc. Porém, o foco secundário foi a manutenção de capital portador de juros, tal qual estabelecido no Consenso de Washington, já que, paradoxalmente, a máquina do neoliberalismo econômico apenas funciona a partir dos fundos estatais.

O fundo público brasileiro é a arrecadação fiscal advinda dos tributos com o intuito de financiamento da seguridade social. Nesse caso, abrange prioritariamente a assistência social e a saúde. Por outro lado, também repercute na reprodução do capital, sendo fonte de investimento a partir de subsídios, de desonerações tributárias, incentivos fiscais e da transferência de recursos destes para o capital financeiro, incluindo rentistas.

Iniciados no período FHC e empreendidos de modo mais acentuado no governo Lula, dois mecanismos foram implantados: O esmorecimento dos princípios tributários de progressividade e isonomia; a criação da desvinculação de receitas da União.

No primeiro caso, os princípios de pessoalidade e progressividade visam a obrigatoriedade de uma referência pessoal do indivíduo que pagará o tributo, de modo que, a alíquota de consumo e de renda seja menor no que diz respeito aos itens adquiridos e a renda de um trabalhador fabril, por exemplo, do que para um industrial dono da referida fábrica e os mesmos itens adquiridos como insumos, ou a própria renda deste.

Entretanto, com a necessidade de adequar a economia brasileira às diretrizes do FMI, visando a adesão integral dos países sul-americanos ao neoliberalismo para a abertura comercial e financeira, as alterações legislativas tributárias que incentivavam o investimento exterior por meio de isenções tornaram a classe trabalhadora a mesma que se beneficia do financiamento da seguridade social, aquele que a financia. E, em contrapartida, os detentores do capital – bancos e investidores – foram praticamente isentos do peso de arcar com este financiamento.

Ainda com base nestas diretrizes, foi criado o Fundo de Estabilização Fiscal, que posteriormente recebeu a alcunha de Desvinculação de Receitas da União. Como o próprio nome diz, é uma desvinculação de receitas do fundo público com o intuito de pagamento de juros de dívida externa. Assim, o fundo público que inicialmente teria a função de financiamento dos direitos sociais, visa o socorro de dívida pública e setores privados da economia.

Importante pontuar  que nos períodos de crise econômica os primeiros atingidos sempre foram os bancos. Prioritariamente neste período de especulação financeira, de títulos de crédito, do chamado capital fictício à propalada defesa da “eficiência do mercado privado”, da “desregulamentação” caem por terra no primeiro apelo ao Estado, neste caso ao fundo público, com o intuito de socializar os prejuízos. Ou seja, a disputa política do fundo público em seu cabo de guerra tem em uma das pontas os bancos, sendo estes a maior influência sobre a manutenção do fundo público como capital portador de juros.

O interessante é notar que essa disputa iniciada por FHC, e de fato empreendida por meio de reformas fiscais e econômicas no governo Lula, abriu rastros para a atuação desleal de Michel Temer quanto a política do Teto de Gastos e reformas no âmbito da seguridade. O financiamento desperdiçado do fundo público destinado a saúde, previdência e assistência social abriu margem às reformas e ao congelamento de gastos.

Assim, ao estabelecer a criação de “bolsas” de cunho social exime-se a efetivação de direitos básicos, com a ideia paternalista de benevolência, ligados à caridade. Porém, se observados os valores desvinculados da União para o pagamento de capital portador de juros, vê-se que os valores administrados aos mais pobres são irrisórios se avaliados a partir aos índices nacionais de consumo.

A criação de programas assistenciais pode ser considerado um bom método de captação de recursos – programas são criados com o escopo de inflar o financiamento do fundo público por meio dos tributos de consumo. Simultaneamente, entretanto, cria-se uma maior burocratização para o acesso desses ínfimos valores àqueles que necessitam, incluindo cortes de pessoas que já o recebem. Assim, a máquina Estatal continua a servir ao liberalismo financeiro.

Dessa forma, ao mesmo tempo que o Bolsa Família agiu com benevolência e “compaixão” para com os mais vulneráveis, também onerou os mesmos. Migalhas ao povo pobre, com discurso e aura de justiça social, enquanto serviu de incentivo ao investimento de capital estrangeiro em âmbito nacional. Esse é o cerne da política neoliberal, nada é o que aparenta ser de fato, incentiva-se o detentor do capital estrangeiro a se inserir em âmbito nacional, usurpando dos valores que seriam em totalidade destinados ao povo, enquanto este último é penalizado gravemente para a manutenção de políticas neoliberais.

Referencial Bibliográfico

DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo – a nova arquitetura do poder: dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. São Paulo: Outras Palavras & Autonomia Literária, 2017.

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