Opinião | Há décadas em que nada acontece, há semanas…

Imagem gerada com IA

Poderia ser um “salve” do passado, como pílulas, para os dias que correm. Ou, talvez, um registro de hoje para o que nem imaginamos que ocorrerá ali, na quadra seguinte. A voz de Lênin se ergue mais uma vez, agora como sentença: “há décadas em que nada acontece, há semanas em que décadas acontecem”. Esta que fechou julho e deu início ao agosto de 2025 foi uma dessas. Parece até que o roteirista do tempo se empolgou, despenteou toda paz, se jogou no chão gritando como uma criança pequena. O calendário, desgovernado, avança como se estivesse rompido os freios e, de repente, estamos todos agarrados ao volante da carroça – “puta-merda” – torcendo para que as abóboras se ajeitem como manda o provérbio.

Que semana histórica, meus caros. E digo no sentido mais profundo que essa palavra carrega. Os sete dias foram pouco para tantas transformações. É o tipo de momento que as pessoas vão lembrar daqui a vinte anos – os livros eternizarão -, perguntando umas às outras “você se lembra de onde estava quando…?”

E aqui estamos nós, ainda meio zonzos, tentando processar os primeiros meses de Trump sacudindo o mundo novamente. Vamos assistindo tudo isso com um misto de espanto e exaustão. Porque o mundo gira, sim, é verdade! Mas, parece que nestes dias está rápido demais no rodopio. Às vezes a sensação é que a carroça vai virar. Porém, como escrevi outro dia: quando a carroça balança, as abóboras se ajeitam. A gente vai tombando, se equilibrando, balançando, envergando e resistindo. Porque é isso mesmo – tudo muda e nada muda. O planeta ainda roda no seu eixo natural, a vida segue cobrando um pedágio diário, e nós necessitamos daquela força escondida dentro de cada um para vencer os meses que restam até o fechamento de 2025, o ano que já nasceu pesando como uma década.

Quando falo de reunir energias, juntar forças, não é essas dos tanques nem dos discursos em línguas que se parecem com o português brasileiro, vestido com a camisa da seleção. Refiro-me a este poder que vem do orgulho de fazer o que é certo mesmo sem plateia. Não o orgulho arrogante, esse que cega e endurece o coração. Minha defesa é sobre aquele que constrói, que nos faz olhar para trás e para frente com a mesma reverência. O orgulho de dar orgulho, de pagar os boletos e ainda sorrir no fim do dia. De levantar toda manhã e simplesmente tentar dar certo.

Posso falar de dar orgulho aos nossos pais, que nos ensinaram que dignidade não se negocia. À esposa que divide conosco as angústias e celebrações desta vida que insiste em ser imprevisível. Aos antepassados que atravessaram oceanos, sobreviveram a ditaduras, enfrentaram a fome e a doença para que chegássemos até aqui. E, por que não, aos que virão depois de nós, que terão em nossa história a referência do que é possível quando não se desiste.

Porque é isso que me move nestes tempos turbulentos: o que diabos restará de cada um no pó do tempo? Um meme divertidíssimo de rodas de oração para um pneu? Talvez. Mas a história cobra um tanto de nossos atos – e às vezes as notas ficam vermelhas quando erramos a conta e as coisas ficam inconvenientes. Por isso esta semana reforça que não dá para agir como se décadas de construção democrática fossem apenas um mal-entendido que se resolve com uma canetada. É de uma mediocridade que dói na alma – e que envergonha quem ainda tem um pingo de decência.

Mas voltemos ao orgulho, que é antídoto para essa baixaria toda. Gente como Miguel Nicolelis, esse brasileiro extraordinário que dedica sua vida a desvendar os mistérios do cérebro humano, conectando neurôneos a máquinas, devolvendo movimento a quem o perdeu, expandindo as fronteiras do que achávamos possível. Nicolelis é um desses brasileiros que dá orgulho de verdade. Que nos faz lembrar que enquanto uns se perdem em gritarias por impunidade, outros estão literalmente mudando o mundo.

E sabe o que mais me revolta nesta tal “semana histórica”? Ver essa turma bolsonarista insistindo com esse tema patético da anistia, como se fosse natural apagar da memória quem tentou dar golpe na democracia. Como se a gente tivesse obrigação de fingir que não viu nada, de fazer vista grossa para salvar a pele de quem cagou e andou para as instituições que nossos pais e avós construíram com tanto suor.

Como disse em minha crônica anterior: “os sonhos chegam muito antes da realidade, meus joelhos seguem ralados e, é fato, nem tudo que conspiramos ocorre exatamente como imaginamos”. E está tudo bem. Porque o que importa não é a velocidade da conquista, mas a consistência do caráter. E caráter, meus amigos, é justamente isso: não baixar a cabeça na hora que a coisa aperta.

Porque no fim das contas é isso que fica: não os gritos histéricos por impunidade, não as tentativas desesperadas de reescrever a história, mas os pequenos atos de coragem que praticamos todos os dias. O pai que trabalha honestamente para sustentar a família. A mãe que ensina os filhos a diferença entre certo e errado. O cientista que dedica décadas a uma pesquisa que pode mudar vidas.

Enquanto isso, do outro lado da cerca, tem gente perdendo o sono não com a ciência ou com o futuro do país, mas sonhando com anistia para quem tentou quebrar a democracia. Tem gente que prefere gastar energia defendendo quem atacou as instituições a olhar para frente e construir algo decente.

Pois saibam de uma coisa: essa gente pode gritar o quanto quiser. Podem fazer escarcéu, podem bater panela, podem vestir a camisa amarela até desbotar. A carroça vai continuar balançando, as abóboras vão continuar se ajeitando, e no final das contas quem vai ficar na história são os Miguel Nicolelis da vida – não os que passaram anos tentando justificar o injustificável.

O mundo não vai acabar, mas a paciência com mediocridade sim. E quem ainda não entendeu de que lado da história precisa ficar, bom… talvez seja melhor correr atrás do prejuízo. Porque a carroça não espera ninguém.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

1 Comentário

  1. Realmente a carroça não espera ninguém , principalmente quando sabemos quais são os “burros ” que puxam a carroça. Desde um descondenado a um ministro do STF , incluindo políticos e apoiadores , aqueles que dizem que em 08/01/23 ouve uma tentativa de “gope” .

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