Opinião | Filosofia, para que serve isso, parte II. (Ou, sobre o Poder Nu)

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Em 1938, o filósofo britânico Bertrand Arthur William Russell, fez uma importante reflexão acerca da forma de expressão do Poder. Apesar do texto do artigo onde promove sua reflexão ser pequeno, com menos de 20 páginas, sua reflexão é bastante profunda, e pode tranquilamente ser observada desde aquela época até o tempo presente.

O referido filósofo viu naquela oportunidade o surgimento e desenvolvimento de diversas expressões ideológicas radicais. Mas sua reflexão demonstra que, esta forma de expressão do Poder, sem existiu, demonstrando isso através de diversos exemplos históricos desde a antiguidade dos gregos, passando pelo medievo, renascimento, até o momento que faz sua reflexão.

O pensador usou a expressão Poder Nu, como forma de nomear o exercício do Poder, de modo a fazer uso do monopólio da violência por parte de grupos dominantes. Este exercício do Poder, é considerado por seus detentores, como uma representação legítima, inquestionável. 

Russell afirma que o Poder, aparece basicamente de duas formas relativamente simples de serem reconhecidas: o Poder Tradicional e o Poder Nu. O poder tradicional, como o próprio termo já permite deduzir, é uma representação aceita pelo grupo social onde está presente.

O Poder Num por sua vez, é representado de diversas formas, seja com a intenção de tomar o Poder, fazendo uso do emprego da violência, ou com a intenção de conter ou sufocar contestações, expressões e opiniões que sejam contrárias.

Neste momento, é muito tentador conduzir a reflexão para contextos amplos, política nacional, divergência partidárias, formas de interpretação acerca da economia internacional. Certamente a conceituação permite este tipo de reflexão, permitindo uma interpretação bastante relevante dos fatos.

Mas, não se seguirá aqui esta tentação. Ao contrário, se irá olhar para o contexto das relações escolares. A forma de relação entre os estudantes, até porque, os indivíduos que atuarão no contexto político e econômico do parágrafo acima, evidentemente, também passaram pelo contexto escolar, não vieram de um universo distante.

As relações sociais, já no contexto escolar, acontecem em certa medida, por afinidade, ou interesse (estes podem ser por necessidade de aceitação, medo, dentre outras inúmeras possibilidades). E parece que, o exercício do Poder, como Russell imagina já é perceptível neste momento da vida, com certa clareza. 

A relação dos colegas, como forma de afinidade, ou interesse, representa em larga medida, uma forma tradicional. Ou seja, as pessoas de forma consciente ou inconsciente, convivem em manter laços de relação buscando uma coexistência de modo pacífico.

Mas, por sua vez, existe já neste momento a manifestação do Poder Nu. Esta manifestação, longe de ser uma brincadeira com as pessoas com quem se tem afinidade, é uma representação violenta de exclusão e anulação do outro, reduzindo-o a uma condição de inferior.

Desta forma, as pessoas que exercem o Poder Nu, se consideram legitimadas em suas práticas, tendo por amparo a crença de que o emprego de formas de violência para com o outro, sendo este, inferior, é algo normal, aceitável, natural, afirmando que estas práticas sempre existiram.

A definição de Poder Nu, significa que aquele que o exerce, o faz sem nenhum pudor, que pode despir-se de qualquer constrangimento ou repreensão pois se considera investido de um direito natural. Assim, age de modo a sufocar quem lhe é diferente, ou lhe ofereça algum tipo de contraposição.

Parece que, desta forma, a noção de Poder Nu, muito perfeitamente, se encaixa nas descrições que após os anos 2000, veio a ser chamado de Bullying. Este termo, importado do dicionário anglofônico, parece tentar amenizar o contexto da violência que acontece na sociedade, desde o ambiente escolar.

Em um texto anterior também com o título “Filosofia, para que serve isso?”, se fez uma reflexão acerca do pensamento de Voltaire, e a necessidade de um olhar mais apurado sobre o emprego da tolerância como forma de promover uma relação social mais justa e igualitária.

Ao que parece, o eclipse que oculta as formas de tolerância, defendia por Voltaire, se sobressaem as representações desnudadas de exercício do poder, que não sente pudor de se exporem na sua forma mais primitiva. A vilipendiar a noção de igualdade, se julga legitimado a exercer a violência.

Há quem possa dizer que esta reflexão toma uma linha de interpretação com ares negativos, mas, não é esta a intenção, pelo contrário, se deve reconhecer que, muito do que se refere a formas de aceitação do outro já se foi conquistado, e tais conquistas, sempre acontecem com bastante determinação dos envolvidos.

Neste sentido, cabe novamente encerrar o texto, não com uma resposta pronta, fácil de aceitar, de modo conveniente. Mas com outra provocação, não com uma frase, com a de feito de Voltaire, ao invés disso, com uma pergunta. O quanto mais se conseguiria avançar na educação e no meio social brasileiro se, fosse cultivada a tolerância, ao invés de aceitar as formas de manifestações do Poder Nu?

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