Opinião | Eu, árvore!

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“A árvore é nossa irmã mais velha; ensina silêncio e força.” — Provérbio Guarani

Floresço, logo existo!

E se fôssemos árvores, se eu e você realmente fôssemos árvores, com suas sensações, perspectivas e visões de mundo? Eu teria medo, medo de existir, medo de ser eliminado a cada florada, a cada troca de folhas, a cada raíz que se estende pela terra em busca de água e nutrientes, eu temeria cada ato de minha existência. Qualquer humano que não compreenda minha importância individual e sistêmica no ambiente em que ele mesmo vive, pode se sentir incomodado com minhas folhas sobre sua calçada, pode alegar que minhas raízes, que existem desde antes do seu nascimento, entopem seus tubos de pvc e envergam suas estruturas. 

Nós seres vegetais sencientes não sentimos raiva, não nos comunicamos de forma convencional, temos milhares de cérebros espalhados por todas as partes do nosso corpo, não vivemos isoladamente, mas integrando o ecossistema e micro-clima do qual fazemos parte, somos influenciados por ele e influenciamos tudo em volta. A comunicação é complexa, mas gostaria de defender nosso direito à existência, estabelecer um diálogo racional sobre nossa importância, benefícios e serviços ecossistêmicos, ou seja, tudo que oferecemos a todos ao longo de nossas vidas vegetais que podem durar mais de 50 anos.

Em relação às enchentes e alagamentos temos um papel fundamental, nossas copas retém e diminuem a velocidade das águas das chuvas, nossos troncos e raízes ajudam na infiltração destas no solo permeável, criando reservatórios naturais e retardando a chegada destas águas aos córregos, rios e sistemas de drenagem urbana. Também somos capazes de reduzir a erosão e sedimentação, seja das encostas ou margens de cursos d’água, o que diminui os riscos de desabamento, entupimento de tubulações e assoreamento de nossos rios.

A regulação microclimática e evapotranspiração também é com a gente, as árvores promovem a evapotranspiração, liberando vapor de água; isso ajuda a manter a umidade do ar e contribui para o ciclo hidrológico local. As árvores também têm papel crucial na regulação térmica e na proteção contra a radiação solar, bloqueiam a radiação solar direta, sombreando edifícios, calçadas, ruas e solos expostos. Isso reduz a temperatura do solo e das superfícies impermeáveis, que normalmente esquentam e irradiam calor. 

Com cidades cada vez mais antropizadas*, onde superfícies como asfalto e concreto absorvem muito calor durante o dia e liberam à noite, somos capazes de quebrar esse ciclo com o sombreamento e evapotranspiração, ajudando a refrescar o microclima urbano, resultando temperaturas locais até 2 a 5°C mais baixas em áreas arborizadas.

Também atuamos para melhorar a qualidade do ar, reduzindo a formação de poluentes secundários como o ozônio, que aumentam em ambientes quentes e secos; filtrando partículas indesejadas e melhorando a qualidade ambiental. Com aglomerados urbanos onde a poluição sonora está causando cada vez mais doenças física e mentais, também ajudamos a diminuir os custos do SUS e da saúde pública, já que nossas folhas, troncos e galhos dispersam, absorvem e refletem o som, especialmente sons de alta frequência (como buzinas, vozes, motores pequenos). Quanto mais densa e variada a vegetação, maior o bloqueio acústico.

Quanto ao direito ao belo, que todos deveríamos ter sem distinção, o impacto estético das árvores em ambientes urbanos é profundo e multifacetado. Elas transformam visualmente as cidades, gerando benefícios que vão muito além da aparência. Árvores quebram a monotonia do concreto, trazendo cor, textura, forma e movimento; melhora imediata na qualidade visual de ruas, praças e avenidas; árvores floríferas e com folhagens variadas criam identidade local e valorizam a paisagem. Isso tudo melhora a qualidade de vida, o sentido de completude e propósito das pessoas, mas também a valorização imobiliária e econômica das cidades. 

Todos temos direito, ou deveríamos ter, ao bem-estar psicológico e sensação de beleza, neste sentido a presença de vegetação está ligada a redução do estresse; melhora do humor; e sensação de segurança e acolhimento visual. Ambientes com árvores são percebidos como mais agradáveis, saudáveis e humanizados.

Claro que num ambiente urbanizado, onde várias espécies animais, vegetais e minerais compartilham o mesmo ecossistema, um processo participativo e de construção coletiva e planejamento inteligente e sustentável, são indispensáveis. Neste cenário desejável, podemos inclusive fornecer segurança alimentar gratuitamente, além de sementes e pólen para polinização e dispersão de espécies nativas. Arvores frutíferas podem estar presentes em praças, parques, margens de rios e algumas ruas arborizadas e com ciclovias e calçadas adequadas. Goiaba, tangerina, jabuticaba, banana e outras frutas da estação.

Creio que se os humanos passarem a dialogar e compreender nossa realidade e o que podemos oferecer, viveremos melhor e sem medo, em harmonia e equilíbrio. É uma mudança que vale a pena, todas as vidas importam…

Christian Krambeck, arquiteto e urbanista e professor Furb

2 Comentário

  1. Belo texto! Porém, o articulista poderia começar convencendo seus colegas arquitetos e urbanistas, os quais priorizam a vaidade arquitetônica em detrimento ao “verde” e, não raro, escolhem (quando escolhem) as espécies erradas, “da moda”, não sintonizadas ao local e, principalmente, sem observar sua dimensões, quando adultas.

  2. obrigado Informe Blumenau pela oportunidade ao debate público de ideias, contraditório, discordâncias, argumentos e visões efetiva e afetivas (não negacionistas, não achismo, não fanatismo e não extremismo e facismo) para melhorar a cidade, aprendermos juntos, respeitar quem pensa diferente e ampliar e fortalecer a democracia, a participação e a cidadania..

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