Opinião | É preciso entender: resolver a situação de pessoas em condição de rua custa dinheiro

Foto: Cruz/Agência Brasil/Divulgação

Foi em um dos piores dias do meu ano, quando tudo – TUDO – estava errado, em uma tarde fervente de Blumenau, que um sujeito barbudo, de roupas surradas, cabelos bagunçados – que da ponta do primeiro fio ao dedão, que ficou para fora do sapato rasgado, brotava urgência de limpeza – entrou na minha loja, a Foster Pet Place, na rua Sete de Setembro. “Água moço, água! Sou muito simples, só quero água”, dizia o idoso com a voz falhando. Bêbado de todos os tipos de água, depois de compartilhar histórias e filosofia, de entregar alguns abraços, juntou suas coisas e, despedindo-se, prometeu, olhando firmemente em meus olhos, que coisas boas iriam chegar na minha vida.

Eu sei, ouvindo muitos dos discursos atuais, que correm por aí, piscando a veia no pescoço do sujeito, com frases desconexas e um jeitão enrustido, parece até que existe uma mágica capaz de entregar a solução para as demandas da sociedade com o simples sacolejar da varinha de Harry Potter. Se colar um símbolo representando a alternativa e infantilizar a dificuldade então, amigo, é capaz de arrancar muito mais que aplausos. Lamento, profundamente, se as próximas linhas vão estragando o seu sonho, querido adulto Peterpan. Acontece que no mundo real – e para os não-mágicos, como nós – basicamente tudo tende a ser mais complexo, demandando uma coisa que sempre falta, especialmente para mim: dinheiro!

O destino é tão caprichoso que, em alguma sorte, reúne fatos semelhantes praticamente ao mesmo tempo, em diversos pontos do país. A coincidência da vez está nas ruas de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Blumenau e muitas outras cidades brasileiras. O lar de milhões de pessoas é o endereço de fragilidades, marcas no corpo e cicatrizes doloridas na psique. Como uma ironia, quando o Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, apresenta o Projeto Pontos de Apoio da Rua (PAR), enquanto o prefeito do Rio de Janeiro propõe a internação compulsória de dependentes químicos, em Blumenau, a Câmara de Vereadores se reúne para discutir o destino dos pouco menos de 500 blumenauenses que elegeram as ruas como morada.

Talvez você nunca tenha dialogado com um morador de rua, além de negar ajuda ou adjetiva-lo. Em muitas das ocasiões, quem sabe a leitora ou leitor pode confirmar, é muito difícil estabelecer um vínculo entre as alucinações da fome, vícios, abandonos e o que realmente (des)construiu aquela pessoa. O retrato cruel, porém inegável, é que para esta crescente população pouco – ou quase nada – reservamos como sociedade. Resolver as dores de quem opta por estar nas ruas é difícil, vai além de negar ajuda, oferecer dinheiro, internar ou empregar. O conjunto de ações necessárias custa muito dinheiro e o repensar de políticas públicas que existem a décadas, mas, que não atendem mais os desafios de nosso tempo.

Neste drama social, as mais diversas tragédias do século se fazem presentes. A drogadição, os problemas emocionais, raciais, preconceitos, e as doenças mentais acompanham estas pessoas, despedaçando os destinos. É impossível saber exatamente o motivo do que leva alguém a buscar abrigo nas sombras, longe dos olhos da sociedade. A causa, como um enigma não decifrado, talvez esteja em um emaranhado de histórias individuais, muitas vezes invisíveis aos olhos apressados. A falta de esperança pode ser outro argumento para explicar a opção daqueles que perderam não apenas um lar, mas a crença em um futuro melhor.

Enquanto o país busca políticas que ofereçam luz para iluminar o caminho de todos, ironicamente, muitas cidades insistem em métodos que higienizam as ruas ao esconder seus moradores de rua. Parece loura, mas esta opção é apenas como uma maquiagem da realidade.

A repressão policial também não acrescenta nesse cenário. Pior ainda é a falta de clareza sobre o acolhimento que o Estado brasileiro deveria ou poderia oferecer para quem precisa de resgate. Neste espaço de incerteza pública, crescem os locais de consumo de drogas ao céu aberto, verdadeiros oásis de desespero, onde a dificuldade em tratar os usuários se revela como um desafio monumental. O sentimento é que nós, brasileiros, falhamos em uma missão, deixando aqueles que mais precisam à deriva.

Como falei, não dá para simplesmente lacrar na internet, oferecer soluções simples – não existe uma receita para este bolo. Transformar a realidade impõe ao país a urgência de olharmos para além das marquises e vielas, enxergar não apenas a estatística, mas as histórias por trás dos números. Precisamos de alternativas que não apenas ignorem, espanque, repreenda, acolham, mas, principalmente, que devolvam a esperança àqueles que a perderam nas curvas da vida.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

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