Opinião: “Dívida não se paga. Se rola”

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Dizem que quando Pedro Álvares Cabral enxergou as terras de Vera Cruz pela primeira vez, nos idos de 1500, além dos Índios peladões, das praias vertiginosas, ouro e madeira o português encontrou também uma coleção de títulos da dívida pública brasileira. Não é à toa que o país não dá certo. São anos e anos, desde o descobrimento, fazendo um esforço enorme para fraquejar. Sustentar nossa experiência de nação bagunçada, ao longo dos séculos, tem se mostrado altamente positiva…. para outras pátrias, banqueiros e diversos tipos de exploradores. Bom para eles, ruim para nós que pagamos a conta.

Uma coisa precisa estar bem clara: não foi preciso muito esforço para que a dívida pública crescesse. Desde bem antes de nascermos as contas já precisavam ser “penduradas no prego”. Os registros apontam tanto para um crescimento como uma piora no perfil da dívida durante os governos militares. Mas, que raios o Brasil queria comprar pegando dinheiro emprestado? A promessa de prosperidade, de desenvolvimento eram as bandeiras que enrolavam uma necessidade de financiar a existência da máquina pública.

A verdade é que o país não possui capacidade, desde muito tempo, de gerar caixa para pagar suas contas básicas. Raros foram os momentos que a arrecadação de impostos superou os gastos e investimentos públicos. Uma máquina altamente ineficiente e pesada que conduz a uma necessidade sem fim de empréstimos. Sem “dinheiro novo” faltariam recursos para folha de pagamento, aposentadorias, programas sociais, obras e ações.

Em resumo: se o governo fosse uma pessoa, ela gastaria mais que o salário que recebe e precisaria pedir um troco emprestado. Não foi o acaso que botou o Brasil está nesta situação de sentar em uma rodovia, as margens de um posto Ipiranga, e estender um boné implorando por um miúdo.

A taxa básica de juros, a Selic, é uma referência para contratar os financiamentos públicos. O outro lado da balança, capaz de alterar o preço dos títulos, é a confiança na capacidade de pagar esta dívida. No fim, as taxas sobem quando a expectativa é de dificuldades e cai quando o vento sopra a favor. Atualmente, o mercado financeiro está menos crente e pedindo mais taxas de juros para emprestar para o governo. Algo que não era vivenciado desde 2002, antes dos anos que Lula governou o país de bandeira verde e amarela.

Hoje o Brasil, considerando uma metodologia que só é utilizada por aqui, tem cerca de R$ 5,5 trilhões em dívida pública. Conta que chegaria próximo aos R$ 7 trilhões se adotada o cálculo internacionalmente aceito, que incluiriam títulos públicos encarteirados pelo Banco Central e as despesas discricionárias do Estado.

E o que isso significa? Que cada ponto percentual adicional de alta na Selic eleva o custo da dívida brasileira em aproximadamente R$ 50 bilhões por ano. Apenas em 2021, por exemplo, só esta medida ampliou cerca de R$ 300 bilhões a dívida até agora. Valor que equivale a praticamente 10 anos de pagamento do programa Bolsa Família, o principal veículo de auxílio e redistribuição de renda aos mais carentes.

Se você olhar para o lado de quem financia o governo, como os bancos, por exemplo, é vantajoso aguardar por uma bagunça tradicional no Brasil. Somos bons pagadores de juros. O último estresse de não ter condições de honrar os compromissos foi lá na década de 80, quando aplicamos uma moratória.

Como disse certa vez Delfim Neto, ex-ministro da Economia: “dívida não se paga. Divida se “rola”. É isso que fazemos ao longo do tempo. Em cada movimento para fazer a rolagem da dívida, pagando a mais curta e contratando uma nova dívida mais longa, uma beirada maior vai ficando com o credor.

Observe, por exemplo, que considerando apenas a Selic, que é o título que remunera o patrimônio líquido das instituições financeiras, uma crescente na taxa faz o lucro subir sem que os bancos precisem correr nenhum risco adicional, ou fazer qualquer força para remunerar mais a carteira. Para ilustrar, o patrimônio líquido do Itaú, o maior banco do hemisfério, recebe o incremento de ao menos R$ 1,3 bilhão por ano a cada um ponto que a Selic subir. Considerando os quase 6% de alta na taxa em 2021, o lucro do Itaú deve subir mais de R$ 8 bilhões ao ano sem fazer absolutamente nada. Valor que é 14 vezes maior que o previsto para o investimento do país em ciência e tecnologia.

Como se vê, de 1500 para cá, de Cabral não resta nem o pó. As madeiras, ouros e índios seguem saqueados e nós, em berço esplêndido e praias vertiginosas, continuamos pelados, endividados.

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