Opinião | Decisões que moldam a vida: o elo entre psicologia e economia

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No século XXI, poucos nomes influenciaram a economia tanto quanto Daniel Kahneman. Curiosamente, Kahneman não é economista. Nascido em Israel em 1934, ele é psicólogo e, mesmo assim, foi agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em 2002. Seu trabalho, em parceria com Amos Tversky, desafiou e remodelou as bases da economia tradicional ao trazer uma nova perspectiva sobre como tomamos decisões de fato. Por muito tempo, os economistas acreditaram que os seres humanos eram agentes racionais, que maximizavam benefícios com base em análises objetivas. No entanto, Kahneman, com seu conhecimento em psicologia, demonstrou que esse não é o caso. Em situações de risco e incerteza, somos guiados por atalhos mentais, e não por cálculos lógicos e frios. Essa compreensão questionou o modelo econômico clássico e deu origem à economia comportamental.

Ao lado de Tversky, Kahneman desenvolveu a Teoria da Perspectiva, que explica como as pessoas lidam de maneira diferente com ganhos e perdas. Ele observou que os seres humanos são avessos à perda. Isso significa que, quando confrontados com a possibilidade de perder algo, tendemos a correr maiores riscos do que em situações de ganho. Esse comportamento foi observado em crises financeiras, como a de 2008, quando muitos investidores preferiram manter ações em declínio na esperança de uma recuperação, em vez de minimizar as perdas vendendo cedo. Esse comportamento, movido pela aversão à perda, foge à lógica econômica tradicional, mas é explicado pela ótica da economia comportamental.

Outro ponto central do trabalho de Kahneman é a análise das heurísticas – atalhos mentais que usamos para tomar decisões rápidas. Embora esses atalhos muitas vezes sejam úteis, eles também podem nos levar a cometer erros de julgamento. Um exemplo clássico é a heurística da disponibilidade, que ocorre quando julgamos a probabilidade de um evento com base na facilidade com que lembramos de casos semelhantes. Se, por exemplo, acabamos de ouvir sobre um acidente de avião, tendemos a superestimar o risco de voar, mesmo que estatisticamente esse risco seja baixo. Esses “erros” cognitivos mostram que nossas decisões econômicas são, na prática, muito menos calculadas do que imaginamos. Isso não significa que somos irracionais o tempo todo, mas sim que operamos com duas formas de pensar: uma rápida e intuitiva, e outra lenta e analítica. Kahneman descreve esses dois modos de pensar como Sistema 1 e Sistema 2, no seu best seller “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”. O Sistema 1 é automático e emocional, permitindo-nos tomar decisões rápidas sem muito esforço mental. Já o Sistema 2 é deliberado e lógico, usado quando a situação demanda uma análise cuidadosa. No entanto, devido à economia de esforço cognitivo, tendemos a confiar no Sistema 1 mesmo em situações que exigiriam mais reflexão.

O maior legado de Kahneman foi nos fazer questionar a antiga premissa de que, no mundo econômico, somos sempre racionais. Ao incorporar a psicologia no debate econômico, ele expandiu nossos horizontes e nos ajudou a entender melhor as complexidades da tomada de decisão. Hoje, economistas, políticos e empresas reconhecem que, para prever o comportamento humano, é preciso ir além dos números e examinar as motivações psicológicas que orientam nossas ações.

Essa compreensão tem aplicação prática em várias áreas. Em vez de presumir que as pessoas sempre tomarão a melhor decisão econômica para si, governos e empresas podem criar ambientes que facilitem escolhas mais racionais. Um exemplo claro disso é o incentivo ao uso de energia renovável. Ao invés de esperar que os cidadãos optem automaticamente por tecnologias mais sustentáveis, como painéis solares, muitos governos oferecem incentivos financeiros ou subsídios para facilitar essa decisão. Esses incentivos reconhecem que, mesmo sabendo que a energia solar pode ser mais econômica a longo prazo, as pessoas podem hesitar em adotar a tecnologia devido ao alto custo inicial ou pela resistência à mudança de hábitos. Criar esses “atalhos” que facilitam a escolha sustentável é uma forma de aplicar as descobertas de Kahneman na prática.

No mundo dos negócios, o impacto dessas descobertas também é significativo. O comportamento dos consumidores é frequentemente influenciado por fatores emocionais e heurísticas, como a aversão à perda e a influência de informações prontamente disponíveis. Empresas que entendem essas tendências psicológicas podem criar estratégias de marketing mais eficazes, que se alinhem aos padrões de pensamento dos consumidores.

Em uma era em que os dados e a lógica parecem dominar o discurso, Kahneman nos lembra que, antes de tudo, somos humanos. Nossas mentes, por mais brilhantes que sejam, nem sempre seguem o caminho da razão, e reconhecer isso pode ser a chave para decisões mais eficazes em diversos campos.

Liz Andréa Babireski Braz de Oliveira e Jorge Amaro Bastos Alves, psicóloga e economista

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