Opinião | “A República dos Favorzinhos: quando toga pega jatinho, parentes viram ‘advogados brilhantes’ da noite pro dia e o Brasil finge que é normal”

Imagem gerada com IA

Antes de falar de ministros em jatinhos, esposas transformadas em “advogadas geniais” por osmose e moralidade rasgada no chão do STF, é preciso dizer a verdade que todo governo tenta esconder: independente de quem esteja na Presidência Lula, Bolsonaro, Temer, Dilma ou qualquer outro o centro gravitacional do poder no Brasil é o Centrão. A Presidência posa para foto, mas quem aperta os botões é esse bloco amorfo, pragmático e fisiológico que não cai em eleição, não muda em crise e não se abala com escândalos. O Centrão é a engrenagem que opera nos bastidores: distribui emendas, mata projetos, ressuscita governabilidade e determina o preço de cada voto. Não tem ideologia, só negócio. Não atua por convicção, mas por conveniência. É o verdadeiro núcleo duro da República e, por isso mesmo, tudo o que vem depois se encaixa perfeitamente no mesmo manual de autopreservação e cinismo institucional.

O Brasil virou especialista em transformar imoralidade em rotina. E nada expõe melhor esse teatro do que as falas do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator da CPI do Crime Organizado, que resolveu tirar a maquiagem da República e mostrar o rosto real do poder: ministros e autoridades circulando em jatinhos bancados por advogados de investigados, participando de eventos de luxo pagos por quem tem processos nas mãos do próprio Supremo, e voltando ao tribunal para julgar os mesmos casos como se fossem sacerdotes intocáveis.

Vieira foi direto: é “inadmissível normalizar” ministros viajando de jatinho e recebendo mordomias bancadas justamente por quem aguarda decisões no STF. A carona não é só carona. A foto sorrindo no coquetel não é só foto. É influência circulando sem pudor nos corredores onde a lei supostamente deveria ser cega.

Para completar o circo, o próprio STF decidiu que nomear parentes para cargos políticos não é nepotismo. Com isso, abriu-se a temporada oficial do “carimbo de legalidade” para transformar cônjuges e parentes em profissionais de prestígio instantâneo. O sobrenome virou currículo. O casamento virou qualificação. E a República virou uma imensa firma familiar.

Vieira denunciou pagamentos vultosos a esposas de ministros sem lastro processual que justifique tamanha generosidade. É a institucionalização do privilégio: influência travestida de competência, proximidade vendida como mérito. Um arranjo onde o poder público vira extensão natural dos interesses privados especialmente dos “privados” que têm relações íntimas com quem julga.

Enquanto isso, o presidente da CPI, Fabiano Contarato (PT-ES), lembra que o crime organizado não se expande sozinho. Ele cresce porque encontra portas abertas, canetas amigas e estruturas de poder dispostas a colaborar quando convém. A CPI só será séria se ousar olhar menos para as vielas e mais para os tapetes persas.

O Brasil vive hoje num regime em que tudo que é feio, antiético e absurdo pode ser defendido com a frase mágica: “está dentro da lei”. A lei virou escudo. A moral virou piada. E a República virou um condomínio onde quem manda são sempre os mesmos os amigos, os parentes e os amigos dos parentes.

Não é crime, dizem.
Mas é obscenamente imoral.
É a máquina perfeita para garantir que nada mude, que tudo continue funcionando e que o país permaneça sequestrado por quem sabe operar o jogo.

Se essa CPI tiver coragem de ir até o fim, talvez o Brasil finalmente descubra que o crime organizado não teme a lei porque muitas vezes ele é quem a redige.

Marco Antônio André, advogado e ativista de Direitos Humanos

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