A ideia de que “somos todos iguais” frequentemente tenta mascarar as desigualdades profundas enfrentadas por pessoas negras. Seres humanos pretos sofrem discriminação não apenas pela cor da pele, mas também por sua religião e classe social. Essas barreiras vão muito além de questões individuais, refletindo uma estrutura sistêmica que perpetua o racismo. Essa realidade evidencia a necessidade de questionarmos a branquitude e seu papel na manutenção dessas desigualdades.
A branquitude refere-se ao conjunto de normas, valores e práticas que posicionam a cultura branca como padrão social. Ela ultrapassa a questão da cor da pele, abrangendo atitudes e estruturas que sustentam a supremacia branca, muitas vezes de maneira invisível. Esse conceito explica como os privilégios da branquitude são normalizados, enquanto outras culturas e vivências raciais são marginalizadas. Reconhecer a branquitude é crucial para desmantelar as barreiras que dificultam a igualdade racial e construir uma sociedade mais inclusiva.
Entre as contradições comuns no discurso antirracista, encontramos pessoas que defendem o consumo em negócios negros, mas que, na prática, continuam priorizando empresas com históricos de racismo. Há também quem ignore comportamentos racistas de amigos ou celebridades brancas e frequente espaços onde são os únicos negros, sem questionar por que esses ambientes ainda refletem exclusão. Essas posturas ressaltam a urgência de que pessoas brancas se racializem.
Por muito tempo, a branquitude foi vista como “neutra”, invisível a si mesma, e usada como o padrão universal. Essa visão contribui diretamente para a perpetuação do racismo estrutural. Racializar-se, no caso das pessoas brancas, significa reconhecer seus privilégios e assumir a responsabilidade de confrontar as estruturas que os sustentam. Esse processo não se trata de culpa, mas de compromisso com a transformação social.
Outro ponto que precisa ser abordado é a instrumentalização da pauta racial como meio de lucro e, cada vez mais, como ferramenta para ganhos eleitorais. Muitos líderes ou representantes do movimento antirracista acabam utilizando o discurso da igualdade racial como uma forma de capital político. Apesar de trazerem visibilidade ao tema, essas iniciativas frequentemente resultam em ações vazias que não geram impacto real para a comunidade negra. Assim como em palestras ou campanhas publicitárias, o foco se desloca da transformação estrutural para a autopromoção e manutenção de interesses individuais ou partidários.
Essa prática desvia o foco do combate às injustiças e reforça uma narrativa de estagnação. A luta antirracista precisa transcender o discurso e os interesses pessoais, promovendo ações práticas e consistentes que enfrentem a branquitude e suas dinâmicas de poder.
Pessoas brancas precisam rever hábitos de consumo, apoiar verdadeiramente empreendedores negros e combater atitudes racistas ao seu redor, sejam elas sutis ou explícitas. Reconhecer que não somos todos iguais, e que o racismo é um sistema que afeta profundamente a vida das pessoas negras, é um passo essencial para a promoção da equidade.
A Consciência Negra, portanto, não deve ser limitada ao mês de novembro ou tratada como uma plataforma para ganhos econômicos ou políticos. É um chamado diário para reconhecer, respeitar e valorizar as diferenças, enquanto se trabalha por uma sociedade onde igualdade de direitos e oportunidades seja uma realidade para todos.
Marco Antônio André, advogado e ativista de Direitos Humanos
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