Opinião | A igualdade é para todos?

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Quando a filósofa francesa Olympe de Gouges (1748 – 1793) foi decapitada durante a Revolução Francesa, ela já tinha escrito que uma mulher que pode ser decapitada teria que também ter o direito de subir à tribuna. O que ela denunciava era que a igualdade que a Revolução Francesa defendia não era a igualdade para todos. Apesar de as mulheres terem lutado ao lado dos homens em tal Revolução, permaneceram sem os mesmos direitos que eles, excluídas da Assembleia Constituinte que se seguiu.

Outra filósofa do mesmo período, a inglesa Wollstonecraft (1759 – 1797), mãe da autora de Frankenstein, também já denunciava que as mulheres de sua época eram ensinadas a serem frágeis para com isso agradarem aos homens da época, elas eram preparadas com frivolidades para o casamento que era o meio de ascensão social. Não tinham direito à educação, nem a propriedade privada, ficavam reduzidas à esfera da casa. Reivindicava, então, uma educação igual a dos homens para as mulheres, para com isso poderem se libertar da dependência e se tornarem efetivamente cidadãs.

O que quero introduzir com essas menções é que temos um problema até hoje em nossa civilização. A saber, a igualdade não é para todos. A ausência de igualdade de condições se apresenta hoje em várias esferas pelo Brasil como um todo. Me refiro ao acesso à justiça, à fome, à segurança, à saúde, às condições de moradia, me refiro também à expectativa de vida e ao acesso à educação. Além disso, o caminho de solução poderia se dar justamente pelo acesso à educação.

Sem igualdade de condições, não é possível que todos possam usufruir das conquistas civilizatórias. É certo que o progresso trouxe também a potencialização das mazelas das sociedades, e não apenas das coisas boas. E a educação parece ser a melhor candidata a corrigir o rumo da situação. O acesso e possibilidade de permanência no sistema educacional, bem como o conteúdo dessa educação é que precisa ser calibrado.

Há propostas como uma educação no estilo kantiano, de desenvolver o uso da razão, ou, ainda, a aposta da filósofa brasileira Nísia Floresta (1810 – 1885), de uma educação moral para uma construção de civilização ética; ou, ainda, outras propostas educacionais, nacionais e internacionais. A questão é, salvo melhor juízo, o que e como ensinar consiste na pauta prioritária de debates se queremos pensar em uma sociedade melhor olhando o ontem, o hoje e o futuro de nossa comunidade.

Como nos lembra a já citada Wollstonecraft, sem a liberdade não é possível exercer plenamente a cidadania. Contextos desiguais que dificultam experiências reais de liberdade, impelem à dependência. Na época das autoras mencionadas o caminho apontado já passava pela educação. Nos dias de hoje também não há outra oportunidade factível a não ser a educação.

Desenvolvendo a nossa disposição para a racionalidade desenvolvemos inclusive a nossa perspectiva ética, caminhando em direção à capacidade de colocarmo-nos no lugar do outro, de podermos de forma qualificada exercermos a nossa cidadania, experenciarmos a liberdade.

Nesse sentido, dado o contexto catastrófico do Brasil de hoje novamente no mapa da fome, desemprego, cortes constantes em programas sociais e no sistema educacional, um esforço urgente, a curto prazo, é pela população sobreviver. Contudo, já precisa ser pensado no esforço a médio e longo prazo, em busca da autonomia, da emancipação, do exercício da cidadania, e, para isso, é voltarmos a investir em educação de modo qualificado, consistente, com inclusão. Investimento não apenas financeiro, mas de reflexões e ações. Governos, mas, também, enquanto professores, enquanto pais, enquanto comunidade.

Nessa última sexta feira tivemos a divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira – IDEB que, teoricamente, mede a qualidade do Ensino, composto por dados de aprovação dos alunos em suas séries e, também, de notas em um exame nacional em português e em matemática. Contudo, muitas escolas adotaram a aprovação automática durante a pandemia, o que comprometeu os dados. Todos foram aprovados em várias instituições. E, sobre o exame, devido à crise sanitária e devido ao afastamento das atividades escolares durante a pandemia, em parte das escolas tal exame não foi feito com uma quantidade significativa de alunos. Os resultados do IDEB não mostram a qualidade real do ensino. Mas, quem está preocupado com a qualidade do ensino? E, mesmo que os dados tivessem sido coletados de modo correto, sem aprovação automática e com maciça participação dos alunos no exame, apenas esse mecanismo ainda refletiria a qualidade do ensino?

Nessa última sexta feira foi divulgado também os dados preliminares do último Censo Escolar (os dados consolidados saem apenas ao final do ano) nos mostra que o Ensino Médio teve 347 mil matrículas a menos nesse ano, comparado com o ano passado. Quando a pobreza se agrava, as pessoas precocemente precisam abandonar os estudos para entrar de modo precário no mercado de trabalho, sem muita perspectiva de que essa precarização se resolva tão cedo, pois o retorno à sala de aula é algo mais difícil, conforme já abordei em outra oportunidade.

Quando remetido a todo o Ensino Básico, os números chegam a 758 mil matrículas a menos. Além de estar em sala de aula, é fundamental rediscutirmos o que e como usar esse tempo, o que e como ensinar. Contudo, se nem em sala de aula os alunos estão, o esforço se mostra ainda mais desafiador. E, além disso, sabemos que a tradição no Brasil não é a de priorizar a educação.

Hoje o debate não se coloca mais sobre ensinar o mesmo conteúdo tanto aos homens quanto às mulheres, como na época de Wollstonecraft, apesar de as lutas por igualdade das mulheres ainda não terem sido solucionadas. Em se tratando de ensino, se sabe que a porcentagem maior de adultos analfabetos é mulher, a porcentagem maior de quem não concluiu o ensino médio é mulher.

Para além disso, o que coloco hoje é a questão sobre a dependência que mantemos em um contexto no qual não se tem igualmente acesso a uma educação de qualidade, e condições de permanecer nesse ambiente, o que se desdobra em uma limitação de empregos possíveis, limitação de locais possíveis de moradia, de modos de vida possíveis, do exercício pleno da cidadania e da limitação a experiências reais de liberdade. Tanto para homens quanto para mulheres.

A educação não se apresenta apenas como uma promessa de campanha a ser lembrada de dois em dois anos. A educação pode ser entendida como o caminho a partir do qual podemos quebrar a roda da pobreza e da dependência.

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