Opinião | A extinção não natural

Foto: José Sommer

A enorme diversidade de organismos vivos que habitam os ecossistemas em toda a Terra (animais, plantas, fungos e microrganismos) compõem o que os cientistas chamam de biodiversidade. Isso inclui a nossa espécie, evidentemente. Porém, a imensa maioria de nós não vive diretamente nos ecossistemas, como era nos primórdios da evolução humana. Embora não percebamos, somos absolutamente dependentes dessa biodiversidade para a geração de riquezas, conforto, tecnologias, lazer, remédios, produção de alimentos, água potável e até para respirarmos. Pensando nisso, foi criado o Dia Mundial da Biodiversidade e a população em todo o planeta é conclamada a refletir sobre como temos tratado os nossos companheiros da jornada terrestre. Ele ocorre todos os anos, em 22 de maio. Assim, romper com uma visão extremamente utilitarista da natureza pelo humano e aceitar que cada ser vivo tem direito à vida, por menos significante para nós que ela pareça, é um bom começo. Pensar sobre o consumo excessivo também, pois cada produto que adquirimos significa um pouco menos de natureza em algum lugar do mundo, tendo em vista que tudo, absolutamente tudo que produzimos, um dia foi componente de um ecossistema.

Desde os primórdios das civilizações até hoje, a humanidade desenvolveu uma visão cada vez mais antropocêntrica e utilitarista da natureza. Desta forma, todo o natural foi “coisificado” e só tem importância o que de alguma maneira nos interessa, do ponto de vista socioeconômico, via de regra. Todos nós já ouvimos expressões do tipo: “mas para que serve esta planta?” ou “se eu não mato aquela cobra, ela me pica”, entre tantas outras que reforçam o antropocentrismo. Acreditamos, erroneamente, que podemos viver sem a natureza próxima de nós. Há uma aversão construída socialmente pelo natural. E há sinais mundiais que provam o contrário. Sociedades que degradaram largamente os seus ecossistemas também tiveram enorme degradação social. Há inúmeros exemplos disso, mundo afora. Por aqui, quando crianças, temos medo dos outros animais, algo criado exageradamente em nós pelos adultos. Quando adultos, achamos que os outros animais, que pretensamente podem nos causar mal, devem ser eliminados. Passamos de um comportamento biofóbico para outro biocida, o que é pior. Não valorizamos as outras formas de vida pelo simples fato de existirem e terem direito à vida, sem nenhum outro interesse, pelo seu valor intrínseco, apenas. E não percebemos que, ao agir assim, poderemos estar decretando o fim justamente para a espécie que mais nos interessa, a nossa.

Em A Sexta Extinção, a jornalista Elizabeth Kolbert apresenta, a cada capítulo, uma circunstância em que o ser humano foi altamente protagonista da extinção de uma ou mais espécies, mundo afora. A autora apresenta um comparativo entre as cinco extinções naturais importantes e a última, que está em curso e, diferentemente das anteriores, ela chama de extinção não natural. As mudanças severas que causamos nos ecossistemas, onde as espécies vivem, são a principal causa (mas não a única) de extinção em massa de animais. Alteramos dramaticamente todos os ambientes terrestres, inclusive o ar, o que se revela como o nosso pior problema, mas não o único, obviamente. Mais recentemente, um levantamento feito pela Zoological Society of London e a ONG World Wildlife Fund (WWF), comprovou que, entre 1970 e 2018, o número de espécies de animais selvagens caiu cerca de 58%. O estudo, nomeado de The Living Planet Report, em sua última edição de 2022 , causou choque entre os especialistas da área. Além do percentual ser muito alto, existe ainda uma possibilidade mais sombria, a de que a extinção possa atingir 69% das espécies já nos próximos anos. Para piorar, o desaparecimento das espécies tem uma relação direta com a qualidade de vida humana, de várias maneiras, afetando a água que usamos, o clima e os alimentos. Por fim, destruir a vida, de forma geral, também significa uma autodestruição para nós.

José Sommer, professor, biólogo e educador ambiental.


 

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