Opinião | A cidade e o transporte pessoal

Foto: José Sommer

À medida que as cidades crescem, os chamados problemas urbanos vão adquirindo também uma nova dimensão. Questões como recolhimento e destino de lixo, saneamento básico, alagamentos e transporte urbano pautam a rotina dos administradores públicos municipais. Tais problemas poderiam ser minimizados se houvesse, também, um comprometimento maior da sociedade.

Todos eles são problemas graves, mas tem crescido a preocupação, nos últimos anos, com a questão do transporte de pessoas. Ocorre que a dinâmica da economia pressupõe deslocamentos permanentes. Infelizmente o que se vê é um inchaço das cidades com automóveis e não com outras formas alternativas e muito mais racionais. A lógica instituída é a do transporte individual em detrimento do coletivo. Fatores como conforto e status também têm contribuído decisivamente. Em decorrência do fato, temos o caos urbano instalado: maior consumo de combustíveis e de recursos naturais e aumento da poluição atmosférica. Os automóveis são tidos pelos governos europeus e as organizações não governamentais ambientalistas como o grande obstáculo ao cumprimento dos acordos climáticos, que preveem a redução na emissão de gases que contribuem para o efeito estufa. Não bastasse isso, o automóvel ocupa uma posição dominadora nas cidades, preponderando sobre as demais formas de transporte, parecendo natural que tenha a preferência nas vias urbanas e também sobre os ciclistas e os pedestres nas faixas de segurança, embora também falte a estes últimos mais educação muitas vezes.

Na maioria das cidades brasileiras o transporte de pessoas é feito por automóveis particulares. Nas grandes cidades, cerca da metade das pessoas se deslocam individualmente em veículos concebidos para 4 ou 5 passageiros. Dados do  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que menos de 3% da população residente em capitais se locomovem a pé e que a bicicleta é o meio de transporte de pouco mais de 3% das pessoas no dia a dia. Os automóveis são os grandes responsáveis pela ocupação das ruas, pela poluição atmosférica, pelo sedentarismo e pelas mortes no trânsito. Em muitos países da Europa e em outros das Américas, Ásia e Oceania, as cidades modernas são aquelas que dificultam o deslocamento por automóveis. Nas médias e grandes cidades, por exemplo, os governos municipais poderiam aplicar ações que motivassem as pessoas a deixarem o carro na garagem e usarem o transporte público e; em pequenas cidades, estimularem o uso de bicicletas ou o hábito de andar a pé quando a locomoção for por pequenas distâncias. É necessário inverter-se as prioridades, como afirma Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, que ficou conhecido por atuar fortemente nessa lógica na capital colombiana. Outra ideia mais recente é a de políticas de não transporte, planejando que as pessoas morem perto do local de trabalho ou que a sua casa seja o próprio local de trabalho.

Grenoble, cidade de porte médio no sudeste da França, foi eleita a Capital Verde da Europa no ano passado. Desde 2006, anualmente, uma cidade com população acima de 100 mil habitantes é escolhida pelo programa. Sabem o que Grenoble tem em comum com as cidades vencedoras nos outros anos? Claro, há muitas políticas socioambientais governamentais, mas em especial uma, a humanização do transporte de pessoas, privilegiando o pedestrianismo e o ciclismo.

Porém, mais do que esperar soluções governamentais, cada cidadão precisa refletir sobre como se desloca para ir ao trabalho, para casa ou para a escola. Tentar encontrar soluções que se traduzam como uso parcimonioso e racional do automóvel ajuda bastante.  As pesquisas apontam que um melhor transporte coletivo, com pistas exclusivas para ônibus, mais ciclo faixas, ciclovias e calçadas adequadas, fariam com que as pessoas optassem por estas formas menos poluentes e mais saudáveis de se deslocarem. Uma pesquisa do Instituto Akatu, que atua em consumo consciente, revelou que 82% dos paulistanos deixariam o carro em casa se pudesse optar por outras formas de deslocamento. Em Londres muitos jovens têm escolhido não terem carros particulares e outros tantos em sequer fazer carteira de motorista, tamanha é a diversidade de formas de transporte na cidade.

Estamos na contramão da história quando discutimos apenas alargamento e construção de novas vias e não nos preocupamos com alternativas de deslocamento. Mudar a matriz de transporte, do carro individualista para formas coletivas se tornará imperioso nas cidades brasileiras de médio e grande porte, a exemplo do que já ocorreu em vários países. Mas como fazê-lo, se há uma crise de percepção do problema pela sociedade e pelo poder público, de forma geral? Evidentemente, isso não se dará apenas pela conscientização natural das pessoas. É preciso que os governos locais, apoiados pelos Estados e pelo Governo Federal tracem firmes metas de melhoria do transporte coletivo, com ações criativas e campanhas de conscientização para que a população adira às novas propostas. As mudanças necessárias são de diversas ordens: culturais, políticas e econômicas, para destacar, o que torna a questão complexa. O poder público local deve se apoiar nas organizações existentes, firmar parcerias e dar início a um programa que abrigue diversos de seus setores (meio ambiente, transporte, saúde, educação, cultura, planejamento etc.), promovendo um grande debate na sociedade. Uma cidade moderna é aquela que diminui sensivelmente a presença de veículos motorizados, mas acima de tudo a sua sociedade precisa querer isso e uma mudança pessoal é o primeiro passo.

José Sommer, professor, biólogo e educador ambiental.


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