Opinião | A “bola 8” – Primeira parte

Imagem: reprodução

Realizado em 2022 e publicado este ano de 2023, o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – revela algo já esperado por quem conhece e acompanha o desenvolvimento de Santa Catarina. O curso do levantamento cantou a bola: dois patinhos na lagoa, bingo! 22 é o número do crescimento populacional percentual do estado, o segundo maior do País. Esse resultado tem sugerido outra analogia, segundo a qual, o estado é “a bola da vez”. Não discordo, mas vou além: não é a bola da vez; é a bola oito.

Com razão, o censo de 2022 gerou questionamentos. Afinal, estimativas quanto ao número da população brasileira foram frustradas. Pela própria estimativa do IBGE de um ano antes do censo, seriam 213 mi. Já em pleno curso do censo, o Instituto revisou a estimativa para 208 mi. O resultado foi de 203 mi, um crescimento de inesperados 6,5% em 12 anos. O Brasil está numa curva descendente, sim, mas quem esperava fosse tão acentuada? O que aconteceu é algo que o IBGE deveria explicar direito.

Todavia, acertou na tendência. Roraima foi o estado que mais cresceu, por conta dos imigrantes venezuelanos. E Santa Catarina, o segundo estado que mais tem empregado venezuelanos no País, foi o segundo estado em crescimento populacional, entre 2010 e 2022. Pode-se até especular que cresceu mais, mas o Brasil todo pode reclamar do censo. O que fica evidenciado, não obstante, é a confirmação de algo notável para quem acompanha a economia: o expressivo crescimento catarinense, 3,3 vezes a média nacional no período.

É notável, mas não surpreende. Há outros casos de crescimento populacional e econômico observáveis, como Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; ainda darão o que falar. Mas o caso catarinense chama mais à atenção, porque SC reúne vários dos melhores índices nacionais, do demográfico, passando pelos turísticos, pelo crescimento da fatia do PIB na composição nacional (3,5% em 2000 para 4,6% em 2020), pelo índice de desemprego (3,8% no I trimestre de 2023), pelo menor índice GINI de desigualdade do País e essa lista vai longe.

Se, ao largo disso, considerarmos coisas que estão acontecendo muito rápida e recentemente, tudo fica ainda mais evidente. Por exemplo: entre os dez metros quadrados mais caros do Brasil, quatro cidades são catarinenses e outras estão valorizando rapidamente. Nessa perspectiva, não se ignore que cidades catarinenses aparecem entre as mais seguras do País. E – o que é economicamente ainda mais relevante – o estado continua sendo o segundo mais competitivo do País, atrás de São Paulo e na frente do Paraná, do DF, do RS, de GO e MG. Mas essa conversa vai muito além.

Então, tudo isso dá sentido à previsão de que sejamos a bola da vez. E, embora seja incerto projetar as próximas décadas, é tentador prognosticar que, mantidos os ritmos de crescimento que o IBGE apresentou de 2010 a 2022, Santa Catarina venha a ser o nono mais populoso já em 2030 e o oitavo em 2040. Não se trata de torcida, nem é algo tão vantajoso, porque a qualidade importa muito mais que a quantidade. No mínimo, é preciso manter a correspondência entre as duas. Do contrário, já sabemos o que acontece: é crescimento sem desenvolvimento.

Até o início da década de setenta, éramos o 13º em população e nossa participação no PIB girava em torno de 2,5% do PIB nacional. Há apenas 13 anos atrás, éramos o décimo segundo em população e o oitavo PIB nacional. Atualmente, somos o 10º em população e o sexto PIB, posição consolidada, cada vez mais distante do sétimo e se aproximando do quinto. Proporcionalmente, nosso PIB per capita já está à frente do Rio de Janeiro, disputando o quarto lugar com o vigoroso Mato Grosso do agronegócio.

Também não se trata de ufanismo, mas da realidade que se constitui à nossa frente, produto da história. No mesmo início da década de setenta, Santa Catarina revelava os primeiros indícios da sua capacidade evolutiva. Foi o resultado do planejamento governamental de sucessivos governantes, a salvo da praga das soluções de continuidade. Ali, a retidão conservadora e a sinergia entre Estado e Sociedade permitiram a potenciação do empreendedorismo catarinense.

Durante oito anos consecutivos daquela década, o estado cresceu mais que o País e isso vem acontecendo novamente, como indicam os resultados do IBGE. Lá atrás, como agora, sinais do que viríamos a ser e o prenúncio do que podemos, insisto, do que já somos: não a bola da vez, mas aquela que, no jogo de sinuca, é o alvo final e permanente.

É o resultado de uma antropologia política e econômica, tecida desde o esforço colonizador da pequena propriedade, decisão de D. Pedro II. Por extensão, some-se uma forte cultura do trabalho, da poupança, da liberdade de empreender, cooperar e reinvestir. Nem o individualismo liberal ortodoxo, nem o panestatismo nos explicam. São as sinergias e confluências de equações humanas em Sociedade, capazes de gerar um equilíbrio tão difícil quanto persistente entre competição e cooperação, obsessiva tese de alguns teóricos do desenvolvimento.

Tão complexa e única quanto a dupla hélice longa e espiralada de cada DNA, é a fórmula antropológica a decodificar. Toda sociedade deve fazê-lo, é o esforço intelectual que faremos ao longo desta coluna, com demonstração lógica e argumentativa. Como lembrou o articulista Jorge A. B. Alves, nesta coluna, há meio século, o economista brasileiro Eugênio Gudin afirmava que “a única maneira de distribuir riqueza é cria-la”. Essa é nossa primeira hipótese para explicar porque Santa Catarina não é somente a bola da vez, mas a bola oito.

Walter Marcos Knaesel Birkner, sociólogo

 

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