Movimento 8M na Tribuna da Câmara de Blumenau

O movimento 8M usou a tribuna da Câmara Municipal nesta terça-feira, 21, para falar das pautas das mulheres e da relação com a Câmara Municipal. Daniela Sarmento, vice-presidente nacional do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, foi a responsável pela leitura da “Carta das Mulheres de Blumenau: estamos em obras”, que é possível conferir na íntegra abaixo.

O texto lembra a luta de mulheres por igualdade e por uma mudança de mentalidade na sociedade como um todo, mas também no Legislativo de Blumenau.

“Estamos em obras nesta casa por diferentes motivos. É muito frustrante abrir o diário das sessões da Câmara e ver que a maioria das pautas de hoje em dia são sobre buracos, bocas de lobo, placas e iluminação”, diz um trecho do manifesto.

E questiona:

“O que vocês estão fazendo para que Blumenau seja uma cidade sem essa histórica e hostil desigualdade social para os próximos 20 anos? O que essa casa fez e está fazendo para melhorar a vida das mulheres e seus filhos e filhas?

A frente parlamentar em defesa das políticas públicas para as mulheres está funcionando? Se sim, quais os resultados? O que estão discutindo, quais são as datas das reuniões, se não estão discutindo, porque não?”

Confira na íntegra:

CARTA DAS MULHERES DE BLUMENAU: ESTAMOS EM OBRAS

Boa tarde a todas e a todos, em especial às mulheres que estão aqui conosco. Lembrando que muitas não estão presentes porque a maioria das trabalhadoras não tem a opção de comparecer nesse horário. 

Estamos aqui em nome das mulheres que lutam e atuam há décadas por direitos iguais, pela construção de uma sociedade mais justa, por mudança no modo de fazer política, na mentalidade, na cultura, na postura e nas prioridades da cidade. Ninguém mais pode morrer de fome ou adoecer de tanto trabalhar em 2023.

É sobre a urgência destes temas que vamos falar, trazendo a perspectivas das mulheres. Queremos políticas públicas que garantam casa, comida e creche. Essa é a pauta prioritária que o movimento 8M vem reivindicar. Estamos em obras nesta casa por diferentes motivos. É muito frustrante abrir o diário das sessões da Câmara e ver que a maioria das pautas de hoje em dia são sobre buracos, bocas de lobo, placas e iluminação. 

As calçadas, a infraestrutura, a mobilidade, a acessibilidade e a iluminação pública que também garante a segurança das mulheres são fundamentais e precisam ser olhadas de forma ampla dentro do planejamento, mas será que estamos olhando para a raiz dos problemas?

O que vocês estão fazendo para que Blumenau seja uma cidade sem essa histórica e hostil desigualdade social para os próximos 20 anos? O que essa casa fez e está fazendo para melhorar a vida das mulheres e seus filhos e filhas? 

A frente parlamentar em defesa das políticas públicas para as mulheres está funcionando? Se sim, quais os resultados? O que estão discutindo, quais são as datas das reuniões, se não estão discutindo, porque não?

De acordo com o IBGE, Blumenau é a cidade do estado com o maior número de pessoas morando em favelas ou áreas de risco, proporcionalmente, e há 10 anos mais de 13 mil pessoas viviam em situação grave de pobreza, ganhando menos de 1,25 dólares por dia. 

Será que todas as pessoas nascem com as mesmas condições, no mesmo ponto de partida? Será que estas pessoas na linha da miséria terão as mesmas oportunidades do que alguém que cresce com acesso à comida, casa, educação, saúde e lazer de qualidade?

Todos conhecemos, aqui mesmo em Blumenau, casos de pessoas próximas que levantam às 4h da manhã, pegam três ônibus, depois caminham quilômetros, ganham o mínimo, recebem falta no trabalho mesmo apresentando atestado médico e ainda deixam de receber benefícios importantes para sua sobrevivência por burocracia de sistema desintegrado, por mau uso dos recursos, por falha no sistema de mobilidade e comunicação entre os equipamentos públicos. Precisamos de um olhar mais humanizado e principalmente de boa vontade.

Todos aqui sabemos que o Covid-19 agravou substancialmente a condição de vida das mulheres, seus filhos e filhas. Se nos aprofundarmos na história humana, vamos constatar que em toda crise social são as mulheres e crianças, especialmente as mulheres negras e indígenas que mais sofrem suas consequências. Segundo a pesquisadora Terezinha Gonçalves, historicamente os movimentos de mulheres são responsáveis por levantar pautas de transformação nas cidades, como acesso à educação, serviços de assistência social, saúde, saneamento, habitação, ciência, segurança e renda. 

A gente traz a experiência do cotidiano e essa demanda é urgente porque quem foi prejudicado e atropelado de forma mais agressiva na pandemia tem pressa! Ainda vivemos todos os lutos desse processo. 

Recentemente também ouvimos de uma agente comunitária de saúde de Blumenau que a região do Garcia está com grande e assustadora quantidade de mães solteiras, vítimas de violência doméstica, que chegam aqui para recomeçar a vida. Qual nossa estrutura para receber essas mulheres? Blumenau tem um alto índice de feminicídio e registrou mais de 900 pedidos de medida protetiva em 2022, lembrando que muitos crimes não são notificados.

O quanto priorizamos essas vidas? Porque ainda não temos uma delegacia especializada para mulheres, crianças e idosos funcionando 24 horas por dia 7 dias por semana? Em Blumenau o horário de funcionamento da delegacia é somente de segunda à sexta e falta formação qualificada e atualizada dos profissionais. Como estão os projetos de proteção à mulher e os recursos para a Casa Eliza? As Leis Municipais estão sendo cumpridas? O quanto avançamos? 

Estamos aqui por todas as mulheres. A gente corre risco pra viver e pra defender nossas vidas. Completaram agora cinco anos do assassinato político de uma vereadora mulher, negra, periférica e homossexual em uma das maiores cidades do país. Sua vida foi pautada em combater a pobreza, a corrupção e a violência – inclusive com projetos de saúde mental para policiais. Marielle Franco e Anderson Gomes pagaram um preço caro e até hoje ninguém foi responsabilizado ou condenado.

Só a educação pode mudar o mundo pra melhor e evitar que pessoas continuem morrendo de fome ou adoecendo de trabalhar. É direito de todos o ensino público de qualidade e gratuito, que garanta o desenvolvimento da ciência e a produção do conhecimento. Por isso entendemos como urgente a Federalização da FURB que está em pauta há mais de 10 anos sem ser considerada prioridade por essa casa.

Também estamos lutando contra a reforma do Ensino Médio, que vai permitir que algumas disciplinas não sejam mais obrigatórias, como História e Sociologia. A quem interessa que a gente não conheça nosso próprio passado ou nossa organização enquanto cidadãos e trabalhadores? Há quem interessa também fechar os ouvidos e confundir as informações sempre que tentamos dialogar e avançar?

Quando falamos sobre temas urgentes para abordar nas escolas, como prevenção ao abuso sexual (já que 90% dos casos acontecem dentro das famílias), somos barradas com a justificativa de que isso não é assunto pra criança e que só pai e mãe podem meter a colher. Durante a pandemia o número de vítimas aumentou em 50%. Quando falamos em tolerância, é porque o Brasil é o país que mais mata pessoas homossexuais no mundo. 

Quando falamos em comida no prato é porque o Brasil produz 10 kg de alimentos por pessoa por dia enquanto 33 milhões passam extrema fome. Vimos nos últimos os alimentos  subirem de preço enquanto o salário mínimo ficou defasado. A insegurança alimentar, a carestia, a pobreza, a desnutrição, a falta de saneamento básico, reafirmam a falta de consistência na Política de Proteção Social com repasses e ações insuficientes para romper com este sofrimento. 

O que leva as famílias blumenauenses – no 5º maior IDH do Estado de Santa Catarina – a viver uma vulnerabilidade vergonhosa para o mundo e para os padrões econômicos que a administração utiliza para se promover. 

Isso afeta a vida das mulheres chefes de família, de mães solteiras e desempregadas ou subempregadas que vivem em moradias precárias com falta de rede de apoio, renda e políticas de proteção. Retomar urgentemente política de moradia popular, com uma nova perspectiva de participação que não marginalize ou afaste as comunidades social ou geograficamente, porque a ausência de habitação e saneamento são problemas de saúde pública.

Precisamos olhar para as necessidades da população. Atualmente temos mais de 1500 crianças entre 3 e 4 anos na fila de espera por creche, e outras milhares de crianças entre 4 e 6 anos que precisam de vagas em período integral, pois essa responsabilidade sempre vai recair sobre a mãe ou avó. 

Aqui em Blumenau também não possuímos creche integral durante finais de semana, horário flexível, horário noturno, transporte escolar integrado, investimento em contraturno e vaga preferencial para PCD´s na fila de espera. 

Também precisamos de creches com qualidade que supram a demanda da sua região e tenham mais rapidez nos processos de transferência que foram solicitados por quem tem que se deslocar e atravessar os bairros. Queremos ainda mais transparência na condução da fila única, com dados mais organizados e eficientes para acompanhamento da comunidade.

Nós precisamos nos comunicar e nos unir URGENTE. Aqui nós temos vereadores com trajetória de atuação na saúde, educação, gestão pública, comunicação, direito, economia, desenvolvimento, organização popular. 

Vocês têm o compromisso de abrir as portas para os movimentos, fortalecer os conselhos municipais, estar presentes nas comunidades, valorizar e investir no serviço público, defender a diversidade e representatividade nos espaços de decisão. Tudo isso pra ontem.

Como disse a filósofa e economista alemã Rosa Luxemburgo, que viveu até 1919, seguiremos em luta por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres. 

Para finalizar, gostaria de solicitar que anualmente o movimento de mulheres tenha espaço autorizado e garantido nesta tribuna, para que a gente não precise fazer o esforço máximo por um direito mínimo – e, principalmente, para que estejamos cada vez mais próximos.

Estamos em obras e vocês estão conduzindo este projeto representando 400 mil pessoas, o que significa muita gente e muitas realidades. De nada adianta caridade sem justiça social. 

Nós vamos em frente, nunca caladas ou submissas, porque a gente não quer somente sobreviver, a gente quer se divertir, estudar, conquistar, sonhar, ter acesso às decisões, ao alimento, à terra, ao conforto, à arte e ao descanso.

Para que nossas pautas sejam de fato reconhecidas e realizadas, precisamos fortalecer a Procuradoria das Mulheres e criar o Conselho Municipal de Políticas para as Mulheres. Precisamos que esses espaços sejam construídos com a sociedade civil organizada e com os coletivos através de políticas de participação eficazes e sinceras. Onde possamos eleger coletivamente as prioridades e ações para políticas públicas a partir da nossa vivência.

Se tivermos uma cidade melhor para as mulheres, teremos uma cidade melhor para todos. Por isso, independente do partido, para nós é importante ter vereadoras e vereadores eleitos que representem a luta histórica da classe trabalhadora e honrem quem veio antes de nós. Vamos exigir de todos atitudes coerentes aos compromissos firmados, pautados nas demandas reais da comunidade.

Hoje nós vamos entregar nossas pautas prioritárias para a Vereadora Cristiane Loureiro, representante da Procuradoria da Mulher. Mas a responsabilidade é de todos e, ao final da sessão, estaremos aqui para criar uma agenda de reunião com vocês. Queremos eleger coletivamente as ações para as políticas públicas da cidade a partir das perspectivas das mulheres. 

Nós estaremos em vigília permanente para o enfrentamento dessas demandas. Agradecemos Cristiane Loureiro e Adriano Pereira pelo espaço. 

Blumenau, 21 de março de 2023

8M Blumenau

 

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