Quanto mais alto o muro, mais pessoas vão te esperar na hora da saída. * A diversidade é maior riqueza de uma cidade. *
Ao escolher um curso ou uma profissão, começamos a revelar uma vocação, um chamado que se constrói ao longo dos anos de estudo e prática. Depois de anos de formação acadêmica, de dedicação ao conhecimento e ao desenvolvimento de uma causa, é natural que esse aprendizado e essa vocação se manifestem futuramente em suas relações profissionais.
Inovar é começar.*
Não sei se é possível, se em algum momento alguém consegue se separar de sua vocação, ou de sua formação acadêmica e o legado que constrói através desse conhecimento, certamente se o faz, faz de maneira muito peculiar e, em alguns casos, é até necessária. No entanto, essas costuras costumam ser quase indivisíveis.
Pensar a cidade para o automóvel não é viável.*
Nesse cenário hipotético, iniciando a reflexão sobre o que seria necessário para construir uma cidade com uma visão voltada ao trânsito, à mobilidade e à sustentabilidade, surge a pergunta:
Quais características um gestor precisa ter para desenvolver essa visão? E mais, será que a sociedade considera esse tipo de pensamento na hora de escolher em quem votar?
Temos o compromisso com a simplicidade e as imperfeições, você não pode ter todas as respostas antes.*
Diante disso, nos cabe pensar que, ao escolhermos nossos representantes por meio do voto, deveríamos levar em consideração essa trajetória. É improvável que professores não se preocupem prioritariamente com a educação; empresários com ramo empresarial; agricultores com agricultura, que policiais não tenham como foco a segurança; e que engenheiros ou arquitetos não possuam uma visão mais ampla sobre projetos e o planejamento das cidades, fora o próprio protecionismo a profissão, que pode ocorrer voluntária ou involuntariamente.
De acordo com dados do TSE em 2024 as 8 profissões mais eleitas em primeiro turno para Prefeitos foram:
- Prefeito: 1.670 (30,52%)
- Empresário: 817 (14,93%)
- Agricultor: 312 (5,70%)
- Advogado: 276 (5,04%)
- Outros 227 (4,15%)
- Servidor Público Municipal: 217 (3,97%)
- Administrador: 192 (3,51%)
- Médico: 181 (3,31%)
Quando a gente separa as funções da cidade, ela morre.*
As cidades atuais foram de alguma forma, concebida ou projetada há pelo menos cinquenta anos, tanto pelo bem quanto pelo mal. O cenário urbano que hoje experimentamos é o reflexo direto das decisões tomadas no passado, sejam elas acertadas ou equivocadas. Em maior ou menor medida, vivemos as consequências da capacidade e vontade que gestores, técnicos e planejadores tiveram ou não de antecipar as demandas futuras. Se hoje tem policial correndo riscos e entrando na mata para cercar moradores indesejados, foi porque lá trás alguém os separou das cidades, talvez o planejamento e a mobilidade urbana pudesse ter sido a solução.
A cidade é uma estrutura de vida, trabalho e movimento juntos.*
Por mais que muitos desafios das cidades sejam reflexo de decisões tomadas no passado, seja na educação, na segurança ou na saúde, talvez nenhum tema pretérito faça tanto sentido hoje, em termos de custo-benefício, do que o planejamento urbano e viário pensado e, sorte de quem planejou isso lá trás.
Afinal, todas as demais áreas precisam estar em sintonia com a mobilidade, não é possível alcançar qualidade de vida em uma cidade sem um trânsito equilibrado.
Toda vez que nós separamos a atividade econômica das pessoas, não acontecem coisas boas. *
Não que educação, saúde e segurança não devam compor o rol prioritário e constante de ações do município, mas é fato que deixamos de lado tanto a formação das pessoas quanto as iniciativas práticas voltadas à mobilidade. E considerando que cerca de 70% da poluição tem origem nos centros urbanos, essa negligência vem cobrando seu preço, a mobilidade urbana, diretamente ligada à sustentabilidade, precisa ser tratada como uma pauta vital e urgente nas ações prioritárias do município.
Trânsito também é segurança pública, uma cidade só pode ser segura, se tivermos um trânsito seguro, não adianta não morrer por uma bala, se não posso nem atravessar a rua em segurança.
Alguns empreendedores que fazem condomínios fechados fora das cidades com alguma arborização e dizem que é um desenvolvimento sustentável. Pelo contrário: é contra a cidade.*
Diante dessas premissas, e buscando alguma lógica ou coerência sobre quais seriam as melhores escolhas para a mobilidade urbana de um município, observo que historicamente dois dos principais prefeitos reconhecidos no país, Jaime Lerner, em Curitiba, e Mário Covas, em São Paulo, possuíam formação e conhecimento técnico que os conectavam diretamente ao planejamento urbano. Seguindo essa constatação é possível que a relação entre gestão e conhecimento técnico pode ter grande relevância para a cidade que queremos construir no futuro.
A cidade não é tão complexa quanto os vendedores de complexidade querem lhe fazer acreditar.*
No campo da mobilidade urbana, esse legado se manifesta de forma clara em cada via, a políticas do trânsito atual representa o resultado de escolhas feitas com base em contextos e prioridades de outra época por prefeitos que planejaram a mobilidade. Avaliar o trânsito de hoje é também analisar a visão de futuro que orientou as decisões do passado.
Às vezes nossos projetos não acontecem, o importante, para nossa profissão (urbanistas), é propor.*
Diante dessa discussão pouco fundamentada sobre quais seriam os melhores prefeitos ou os que deixaram um legado maior para o trânsito e a mobilidade de suas cidades, a maior referência que tenho é o prefeito de Curitiba Jaime Lerner, que, por três vezes, comandou a cidade, revolucionou a mobilidade e preparou a capital paranaense para os próximos cinquenta anos. Não que Blumenau não tenha tido projetos para o futuro, mas talvez nenhum tenha sido tão referenciado quanto o de Lerner.
Quando se separam as pessoas por renda, fazendo-as viver fora da cidade; quando se separam por idade, por religião, toda vez que se faz isso, você começa a matar a cidade.* Na hora que você separa você cria a pessoa contra, se ele tá fora é minha inimiga. *
Observar o legado deixado por Jaime Lerner para a mobilidade urbana de Curitiba é se aproximar dessa conexão. Quando poucos conseguiam imaginar, lá pelos idos de 1974, Lerner já implementava os primeiros corredores exclusivos de ônibus da cidade. À época, cerca de 50 mil pessoas utilizavam o transporte coletivo, e ele aparentemente ja tinha a visão de que quanto maior a densidade de pessoas, maior a necessidade de transporte público eficiente.
Temos um falso debate entre metrô e automóvel e não está em nenhum deles a solução.* A solução é usar todos os meios de transporte de forma adequada.*
Para se ter uma ideia, Blumenau só veio a implementar seu primeiro corredor exclusivo em 2011, durante a gestão de João Paulo Kleinübing e, ainda hoje, há quem, por pura falta de compreensão coletiva e de visão de planejamento urbano, enxergue essa medida como um retrocesso. Quanta falta de entendimento sobre o que significa pensar uma cidade para o futuro.
Quer criatividade? Corte um zero do orçamento. Quer sustentabilidade? Corte dois zeros.*
Nesse contexto de escolhas, ao ponderar o que poderia ser melhor para o trânsito da cidade e, a partir dessa perspectiva, pensar na escolha do prefeito, fica evidente que não existe uma máxima ou uma certeza. No entanto, aparentemente moldamos nossas escolhas com base naquilo que desejamos para a cidade. E, se isso não ocorre frequentemente, talvez devêssemos considerar com mais atenção que nossos representantes passam a nos representar também pela própria vocação que carregam consigo.
Os bancos se acham sustentáveis porque o talão de cheque é de papel reciclado.*
Nesse texto, todas as frases entre os parágrafos são pensamentos e ideias descritas por Jaime Lerner em suas palestras, disponíveis no YouTube. Elas contêm pequenos conceitos sobre como ele enxerga as cidades e quais devem ser os caminhos a seguir, propagando, inclusive, o que ele chama de acupuntura urbana.
Por fim, uma metáfora bastante feliz do próprio Lerner sobre o automóvel:
O automóvel é um tipo de convidado que vem a uma festa e não quer mais ir embora;
e bebe muito;
e come muito;
e é muito egoísta, pois só leva uma ou duas pessoas;
e é muito exigente, porque você prepara tudo para ele e ele quer cada vez mais.
Mais viadutos, mais freeways, mais espaço,
e nunca está contente.
E ainda, lendo o artigo aqui do informe Blumenau do arquiteto e urbanista Christian Krambeck, “Segurança Pública em 2030”, e referendando sua frase de que “a segurança é um pacto coletivo, não uma guerra”, quiçá a própria solução da segurança pública esteja em um melhor planejamento e mobilidade urbana da cidade. Afinal, “a cidade é uma estrutura de vida, trabalho e movimento juntos”.*
*As frases entre outros locais, foram descritas por Jaime Lerner em uma palestra sobre as cidades, no ano de 2014: Interface da técnica e da política no planejamentos das cidades.
Com o trânsito não se brinca.
Lucio R. Beckhauser, Agente de Trânsito, Especialista em Direito de Trânsito
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