Opinião | Mesmo condenado e preso, Bolsonaro continua sendo o maior líder popular da “direita” brasileira e o que isso revela sobre o nosso país

Foto: Estadão/Reprodução

É impossível negar: Jair Bolsonaro se tornou a principal liderança política da direita brasileira e continua sendo, mesmo condenado a mais de 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal. É um fenômeno político que desafia a lógica democrática e revela o tamanho do buraco em que a direita tradicional se meteu. Enquanto antigos partidos tentam em vão se reposicionar, Bolsonaro, mesmo atrás das grades, dita o ritmo, a narrativa e o comportamento do seu campo político.

A direita brasileira foi engolida por ele. O PSDB, que já foi referência de estabilidade, virou lembrança. Os liberais que sonhavam em se firmar como “a direita racional” não resistiram ao populismo agressivo do bolsonarismo. Nenhum outro nome conseguiu empolgar ou falar com o mesmo público que o ex-presidente conquistou. O bolsonarismo, na prática, virou religião: quem não o segue é herege. E é nesse ambiente tóxico que a direita perdeu qualquer capacidade de se reinventar.

Bolsonaro preso é mais poderoso do que muitos líderes soltos. Sua prisão não destruiu o mito consolidou-o. O discurso de perseguição política alimenta a base, que se sente representada por um “mártir” injustiçado. Isso explica por que, mesmo sem poder se candidatar, ele segue sendo o principal fiador de qualquer projeto de poder à direita. Nenhum outro político tem tamanha capacidade de mobilização, e isso é, ao mesmo tempo, um sintoma e uma tragédia para o campo conservador.

Em Santa Catarina, esse fenômeno é ainda mais visível. O Estado, que já foi considerado um reduto do conservadorismo tradicional e do discurso de ordem, hoje é território cativo do bolsonarismo. Prefeitos, deputados e até empresários locais moldam seus discursos conforme a cartilha do ex-presidente, com medo de perder apoio popular. O resultado é uma política refém de um único nome onde o debate é sufocado e qualquer tentativa de renovação é tratada como traição. Santa Catarina transformou-se num laboratório do bolsonarismo emocional: onde o radicalismo rende voto, o ódio vira estratégia e a razão é vista como fraqueza.

Do outro lado, Lula continua gigante, você goste ou não. É, sem dúvidas, a maior liderança da América Latina e um dos principais nomes do cenário global. Desde que Joe Biden deixou a presidência dos Estados Unidos, poucos chefes de Estado têm a projeção internacional que Lula ostenta hoje. Ele é ouvido em fóruns internacionais, tem trânsito com líderes de diferentes blocos e segue sendo uma voz relevante em temas como meio ambiente e desigualdade. Mas o mesmo fenômeno que ocorre à direita se repete à esquerda: o lulismo também não produziu um sucessor à altura. O campo progressista ainda depende de um único nome para garantir unidade e força eleitoral.

Assim, o Brasil caminha para 2026 com um cenário paradoxal: de um lado, um líder da direita preso, mas ainda dominante; de outro, um líder da esquerda livre, mas sem herdeiro político. O país parece condenado a girar em torno de dois polos que, embora opostos, têm algo em comum são personalistas, centralizadores e sustentados mais por carisma do que por projeto.

Enquanto isso, a sociedade continua sem uma nova referência, sem alguém capaz de romper essa disputa eterna entre passado e passado. Bolsonaro virou o retrato da incapacidade da direita de se reinventar; Lula, o símbolo da força da esquerda mas também do risco de estagnação. Entre um preso que manda e um livre sem sucessor, o Brasil segue órfão de futuro.

Marco Antônio André, advogado e ativista de Direitos Humanos

3 Comentário

  1. Essa manchete, se fosse em 2018, poderia ser:

    ‘Mesmo condenado e preso, Lula continua sendo o maior líder popular da “esquerda” brasileira e o que isso revela sobre o nosso país’

  2. Correto, gostei do texto, sintético e preciso.
    Mas acrescentaria, que talvez nunca esteve tão fácil para os líderes regionais (de abrangência estadual) se libertarem do jugo da ”criatura” que alimentaram. Sim, pois o ex, foi alimentado por lideranças regionais, que surfaram na onda algumas por necessidade de ”reerguimento”, outras por puro oportunismo (estou falando das anteriores a 2018, as da direita/direita, não os extremistas amalucados que vieram com o chefe). E olha, a ”hora é agora” mesmo, a população da base da pirâmide, detesta ”lideres fracos, adoentados”, sem decisão, e que a cada possibilidade de prisão, ”adoece”. É cultural, mas não é intrínseco ao brasileiro, populações de outros países, inclusive de renda alta, tem essa característica. É HUMANO, DESDE SEMPRE! Os adeptos, os convertidos, vão ficar, mas não ”sustentam nem uma República de Salo”, é fato. Ratinho Junior, pode não ganhar em 2026, mas está asfaltando o caminho, e Kassab sabe direcionar a empreitada, muito bem.
    Quanto ao atual ocupante da cadeira presidencial, por mais que os adversários neguem, é admirado no exterior, e virou símbolo de resistência ao imperialismo americano. EUA que hoje enfrenta uma rejeição mundial muito mais acentuada que na época da guerra fria, infelizmente, sim, eu não sou antiamericano não, o país sempre foi um farol para o mundo ocidental, pode deixar de ser, o que não é saudável para o planeta. Na Indonésia, país de 290 milhões de habitantes, Lula é mais popular que próprio presidente, e em muitos outros também. Sorte para os agroexportadores daqui, redirecionaram suas exportações com relativa facilidade, e aumentaram em muitos casos, o que não deixa de ser curioso, visto a grande maioria deles, ter ”alimentado o ex”, que pouco, ou nada fez por eles. Mas realmente, por medo de ”competição”(pode ser inconscientemente), Lula não fez herdeiro, até bloqueou alguns. Se pensa que Boulos será, está errado, e muito, deve ser a idade, chega para todos.
    Prof. Dr. Luciano Kneip Zucchi

  3. Sim, poderia, infelizmente, o binarismo político em nosso país é evidente. Na verdade em quase tudo.
    Bem ou mal, bandido ou mocinho, preto ou branco…….
    Triste, tantas nuances a enxergar, tanto auxilio a compartilhar.
    O Brasil é um só, ninguém e anjo ou demônio, só ”humanos”, em muitos casos muito confusos, desorientados e frágeis, e ”utilizados” por lideranças nefastas e oportunistas em todos os setores da vida nacional, e de todos os ”espectros políticos/econômicos/ sociais.
    Triste, muito!
    Prof. Dr. Luciano Kneip Zucchi

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