Opinião | A esquerda também sabe usar a fé — só é mais elegante no pecado

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É impressionante como os movimentos identitários, que nasceram da luta por justiça e representatividade, acabaram virando pedintes de ocasião. Mendigam uma vaga no Supremo Tribunal Federal como se estivessem diante de um rei benevolente, implorando para que o trono seja ocupado por uma mulher preta — enquanto o mesmo rei, Lula, acena para os evangélicos e dá todos os sinais de que vai nomear um homem branco e evangélico.

A cobrança por uma ministra negra no STF é legítima. Afinal, em mais de 130 anos de história, nunca houve uma mulher negra na Corte — um absurdo que fala por si. Movimentos como o Mulheres Negras Decidem lembram essa ausência e exigem uma reparação que vai muito além da cor da pele: é sobre presença, poder e história. Mas o problema é quando essa pauta vira moeda de troca. Quando o discurso identitário, que deveria ser uma ferramenta de transformação, se transforma em barganha política. E é exatamente isso que estamos vendo agora.

Lula, que sempre se vendeu como o presidente do povo, hoje faz o mesmo jogo de poder de sempre — só que com mais sutileza. Enquanto Bolsonaro prometia um ministro “terrivelmente evangélico”, Lula flerta com o mesmo público religioso, faz reuniões com pastores e ventila o nome de Jorge Messias, homem, branco, evangélico — exatamente o perfil que o conservadorismo aplaudiria. O que muda é o tom do discurso. Um gritava, o outro sussurra. Um jogava com o fanatismo, o outro com a esperança. Mas o tabuleiro é o mesmo, e as peças continuam as mesmas: identidade e fé como instrumentos de poder.

O que mais revolta é ver parte dos movimentos progressistas aceitando esse jogo. Reivindicam uma mulher negra, mas parecem se contentar com uma promessa, uma foto, um aceno simbólico. Essa política do migalhamento é o que mantém as estruturas intocadas. A esquerda, que gosta de se diferenciar moralmente da direita, acaba repetindo as mesmas práticas que criticava: discurso bonito para o público, conveniência nos bastidores.

E assim seguimos: de um lado, o marketing da representatividade; de outro, a manipulação da fé popular. Um fala em diversidade, outro fala em Deus — e ambos querem o mesmo: controle, votos, poder. A diferença é estética, não ética. A esquerda aprendeu a usar a fé, mas com palavras mais doces, com culpa mais disfarçada.

Se é pra falar de representatividade, que seja pra valer. Que uma mulher negra chegue ao STF não como símbolo, mas como poder real — com voz, autonomia e decisão. Que os evangélicos não sejam tratados como curral eleitoral, mas como cidadãos de uma nação plural. E que os movimentos identitários parem de se ajoelhar diante de governos que os tratam como decoração de discurso.

Porque talvez o verdadeiro pecado político do nosso tempo não seja o fanatismo — seja a fé disfarçada de consciência social.

Marco Antônio André. advogado e ativista de Direitos Humanos

1 Comentário

  1. Concordo plenamente com o Sr. André, vem governo , passa governo e a aproximação com evangélicos em período pre eleição aumenta consideravelmente, e não é pela fé dos evangélicos, é somente pela busca do poder .
    Temos em Santa Catarina inúmeros vereadores e deputados estaduais que usam a fé do povo para abocanhar votos, chegam a frequentar cultos para fazer a aproximação, mas após os eleitores evangélicos apertarem o confirma , a fé desaparece . Estes candidatos que usam a fé das pessoas para chegar ao “poder” não possuem escrúpulos, caráter e dignidade .Quanto a uma mulher negra no STF , vale lembrar que Joaquim Barbosa foi ministro e é negro , honestamente não vi nada de diferente na sua postura em razão da cor da pele . Mulheres negras ou brancas são iguais , a cor da pele não pode ser diferencial , o que é necessário é capacidade técnica e saber jurídico , mas estas qualidades não importam mais para ser indicado para o STF , pois se assim fosse vários ministros do STF atual não estariam no cargo, passou a ser somente indicação política com aval dos senadores da república , que na sua maioria possuem ações judiciais engavetadas pelo STF , que usa isto para fazer pressão nos senadores para que o indicado seja aprovado .Quem esta errado , os ministros do STF ou os senadores que possuem ilícitos arquivados ? Quem esta errado é o eleitor , que reelege esta turma de bandidos disfarçados de políticos , e isto não tem nada haver com direita, esquerda ou centro , abrange a todos .

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