Opinião | Imigração em Blumenau: entre o ontem e o hoje

Foto: divulgação

Blumenau nasceu da imigração. Quando o Dr. Hermann Blumenau chegou à região, por volta de 1850, não estava sozinho: trouxe consigo um pequeno grupo de imigrantes alemães. Logo mais, aqui seria fundada a primeira colônia. Muitos fugindo da fome, da guerra e da falta de perspectivas em sua terra natal, encontraram aqui um novo território. Vieram para uma mata fechada, enfrentaram dificuldades e incertezas. 

Os primeiros colonos chegaram a esta região desconhecida com a esperança de encontrar uma “nova pátria” e uma vida melhor, vendo o local como um “El Dorado”. A sobrevivência inicial dependeu da caça, pesca e colheita de frutos e palmitos. Novas ondas de imigração nos anos 1920 trouxeram conhecimento tecnológico e capital que impulsionariam o crescimento econômico e o nascimento de muitas indústrias. A colonização seria facilitada pelo forte incentivo do Estado. Terras foram concedidas, acesso pelo governo à ferramentas de trabalho, arados, enxadas, sementes e até seis meses de salário para que pudessem se estabelecer. Esse apoio inicial foi fundamental para que conseguissem criar raízes e construir comunidades que, gerações depois, formariam uma região próspera, industrializada e com pleno emprego.

Esse passado é parte da identidade da cidade e explica muito de sua organização atual. Mas a imigração não ficou no século XIX. Blumenau continua sendo uma cidade de chegadas. Um em cada quatro moradores de Blumenau não é daqui, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com dados oficiais, em 2022, Blumenau tinha uma população de 361 mil habitantes, sendo que cerca de 90,4 mil pessoas vieram de fora de Santa Catarina. Deste total, 4.477 moradores nasceram em outros países. Só de pessoas oriundas da Venezuela são quase 1.400 moradores; do Haiti, mais de 500 novos habitantes. Essas comunidades se somam a peruanos, argentinos, cubanos, uruguaios e tantos outros que já fazem parte do tecido social da cidade. 

Em Santa Catarina como um todo, somente em 2024, foram mais de 15 mil vagas de trabalho ocupadas por imigrantes, especialmente na indústria e nos serviços, mostrando como essa presença é vital para a economia local.

Se no passado a chegada dos europeus foi celebrada como símbolo de progresso e modernização, hoje a chegada de imigrantes nortistas, nordestinos, latino-americanos e caribenhos desafia a cidade a repensar sua tradição de acolhida. Eles não recebem terras, ferramentas ou salários por seis meses garantidos pelo Estado; chegam em condições de vulnerabilidade, muitas vezes acompanhados de filhos pequenos e sem familiares. Ainda assim, trazem consigo a mesma coragem que movia os também imigrantes europeus do século XIX: a vontade de recomeçar, de reconstruir suas vidas e contribuir para a sociedade que os recebe.

Foi nesse espírito que o Projeto Usina de Valores desembarcou no Vale do Itajaí. Promovida pelo Instituto Vladimir Herzog, a iniciativa desenvolve projetos de educação em todo o país. No Vale do Itajaí, o projeto foi voltado às populações de migrantes, em parceria com a Associação de Imigrantes – Organização Solidária Pela Integração e Desenvolvimento dos Imigrantes no Brasil (Osidi-BR),  espaço fundamental de convivência e de luta por direitos.

Em encontros sucessivos, trabalhamos temas como identidade, cidadania, direitos sociais, saúde e acesso à justiça, além da condição específica da mulher migrante. Mais do que aulas de educação popular em direitos humanos, foram momentos de troca: cada cartaz feito, cada oficina realizada e cada debate trouxe à tona as potencialidades e os desafios de viver no território de Blumenau.

A experiência deixou o aprendizado coletivo de que a cidade se transforma junto com quem chega. Se no passado a imigração europeia foi decisiva para construir a Blumenau que conhecemos, hoje a presença nortista, nordestina, venezuelana, haitiana e de tantas outras comunidades também molda a cidade, ampliando sua diversidade cultural e social. A mesma oportunidade que um dia foi dada a camponeses pobres da Europa, expulsos pela fome e pela guerra, deve hoje ser estendida aos que atravessam fronteiras em busca de dignidade.

Discursos que atacam os valores da hospitalidade, da acolhida e do respeito à diversidade de origem geográfica, atentam contra a história de Blumenau e de Santa Catarina. Nossa cidade só será fiel à sua história se compreender que a imigração não é apenas memória, mas presente; que a cidadania não é privilégio de alguns, mas direito de todas as pessoas; que o futuro da cidade depende da capacidade de reconhecer, em cada imigrante, não um estrangeiro, mas um vizinho, um colega de trabalho, uma pessoa de direito, alguém que compartilha conosco a vida neste território.

Marlon Ricardo de Amorim, bacharel em Direito, servidor da Justiça Federal de Santa Catarina, educador popular em direitos humanos, membro do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Blumenau e membro do Grupo de Trabalho em Direitos Humanos da Justiça Federal da 4ª Região

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