Opinião | Patinetes: proibir ou liberar?

Foto: ND/Reprodução

Mesmo não sendo algo novo, sua versão não motorizada remonta, segundo algumas divergências históricas, a meados do século XIX, ao passo que a motorização surgiu apenas no início do século XX, vindo a ser difundida com maior ou menor presença durante os últimos 100 anos, normalmente como uso recreativo e algumas vezes incluído no meio do transporte das mais variadas cidades mundo afora.

Imbuídos na vontade dos cidadãos de cada época, nunca passou de um modismo que não fosse prontamente substituído por outro meio mais eficiente ou perspicaz, em comparação, as bicicletas em muitos países tiveram uma continuidade e uma contribuição muito mais efetiva na mobilidade, trazendo até hoje certezas muito mais relevantes à sociedade.

Inevitavelmente, por vários motivos e principalmente quando se percebeu ser um meio de negócio, aliados a tecnologias atuais, como app facilitando a possibilidade de aluguel, baterias mais duráveis, custos de fábricacao e manutenção, isso já na segunda metade do século XXI várias empresas mundo afora infestaram cidades com esses equipamentos, na simples premissa factoide de melhorar a mobilidade urbana.

Fato é que a implementação desses equipamentos nunca se tratou de mobilidade e sim de negócio, tanto é que logo com o advento da pandemia praticamente todos os negócios deixaram de ser viáveis e, em cidades que deixaram de ser lucrativas, os equipamentos foram suspensos ou retirados. Mas ao certo é que nunca foram projetados para o trânsito, tanto pelas infraestruturas precárias das cidades, quanto pela capacidade dos equipamentos de estarem integrando os modais de transportes existentes; de uma forma geral foram jogados nas cidades sem qualquer planejamento.

Até hoje algumas cidades estão tentando se moldar para encaixar esses equipamentos, estão trocando o pneu com o carro em movimento. É de se imaginar como teria ficado a charmosa Amsterdã se no anos 70 alguém envolto das melhores intenções tivessem optado pelos patinetes em detrimento das “antiquadas” bicicletas. 

Mas o que é o certo: liberar ou proibir?

Considerando algumas posições já tomadas, inclusive em algumas cidades que já foram para uma direção e depois mudaram seu rumo, é perceptível que pouco se sabe ao certo o que se fazer para essa integração. O que parece ser uma constância é que ninguém tem o caminho exclusivo, e por isso cada município tem seguido uma premissa diferente para achar aquilo que considera ser o mais razoável e apto a si.

Paris, que já chegou a ser pioneira no aluguel dos equipamentos, depois de uma consulta popular determinou a total proibição. São Paulo já foi totalmente liberado, depois proibiu, hoje regulamentou com regras, proibindo menores de 18 anos, passageiros e transitar na calçada. Aqui do lado, em Balneário Camboriú, era liberado, depois se regulamentou e, depois de até atropelarem a prefeita, se restringiu ainda mais, tanto em locais, quanto na idade, obrigando inclusive utilizar capacete. Já em Brusque inovaram com o departamento de trânsito dando curso teórico obrigatório e gratuito aos condutores.

E afinal, qual a regra de Blumenau? Existe alguma regra geral?

Basicamente o Brasil todo é gerido pela regra geral descrita na resolução 996/23, que, dentre outras obrigações, inicialmente define os tipos de veículos: bicicletas, bicicletas elétricas, ciclomotores, equipamentos de mobilidade individual autopropelidos (patinetes), sendo diferenciados pelas potências e tamanhos, e cada qual necessitando de obrigações, tanto para condutores, quanto veículos e vias. Sendo o registro obrigatório efetuado pelos estados até o final de 2025, o que hoje me parece ser a maior necessidade para efetuar a fiscalização e obter algum controle das regras previstas. 

Muito comum, diante do advento dessa novidade quantitativa, existirem muitas dúvidas, principalmente da integração desses meios de transporte aos já existentes, tendo muitos descontentamentos de todos os lados, partindo de todos uma cobrança para maior fiscalização e regulamentação.

Diante disso é importante lembrar que, quando se fala do município regulamentar regras além daquelas já previstas na legislação nacional, isso se trata de meramente de restringir, diminuir direitos e criar mais empecilhos para que se transite com tais equipamentos. Como já foi citado, as possibilidades variam desde restringir vias, impor equipamentos obrigatórios, criar cadastros, efetuar cursos e até a proibição total, cada qual com a sua preocupação, às vezes somente momentânea e aparentemente no sentido de experimentação. 

Novamente em comparação as bicicletas, essas sempre foram tidas mundo afora como um equipamento de todos, por isso a desburocratização de seu uso sempre foi universal. Será que o caminho correto do patinete é burocratizar? Se a intenção for evitá-los, a resposta é sim. 

Compreensível que diante de tantos riscos, tantos sinistros, tantas pessoas envolvidas, tantas irresponsabilidades, que vão desde crianças de 14 anos transportando outras de apenas 5, até adolescentes circulando em alta velocidade, torna-se evidente que a normalização desse cenário no trânsito brasileiro atual representa um risco inaceitável.

No outro espectro, diante do excesso de congestionamentos, da falta de espaço e das incertezas no atual transporte individual e público, as autoridades competentes, além de não fomentar a micromobilidade, adotar medidas de restrição pode ser um caminho indigesto. Ao meu ver, a municipalização das regras e esse “assentamento das melancias” para que cada cidade encontre seu equilíbrio, parece necessária. 

Ainda assim, não considero errado iniciar uma regulamentação mais abrangente hoje, que conforme a experiência e as necessidades, possa ser flexibilizada no futuro. O essencial é que essas decisões sejam construídas de forma coletiva e fundamentadas em dados e estudos técnicos; o trânsito não pode ser tratado com base em achismos e principalmente como um meio de negócio voltado unicamente ao lucro direto, precisa ser pensado em conjunto com o planejamento das cidades e desenvolvidas exclusivamente para as pessoas. 

Com o trânsito, não se brinca.

Lucio R. Beckhauser, Agente de Trânsito, Especialista em Direito de Trânsito

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