Na sua elasticidade, a democracia gera paradoxos que ultrapassam as disputas eleitorais e questionam sua solidez. Entre eles, está o “autoritarismo do bem”, caracterizado pela adoção de práticas autoritárias sob a justificativa de um propósito superior. Justificado na defesa incondicional das instituições democráticas, isso pode, ao contrário, fragiliza-las, atingindo direitos e gerando riscos mal calculados. Intriga notar a semelhança sanguínea dessa lógica com a justificativa central do golpe de 1964: a necessidade do autoritarismo para a preservação da democracia.
Noves fora, aposto minhas economias que o livro de cabeceira dessa gente culta se intitula Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Os autores se propõem a demonstrar como regimes democráticos podem se deteriorar não apenas por rupturas bruscas, mas por processos graduais de erosão institucional. Entre os sinais de alerta estão o enfraquecimento das normas de tolerância mútua, o desrespeito aos adversários políticos e a flexibilização das regras do jogo quando se tornam inconvenientes ao projeto de poder de quem o exerce ou pretende exercê-lo.
Curiosamente, alguns de seus leitores assumiram a “missão” de salvar a democracia agindo na linha do paradoxo demonstrado pelos autores.
Ao analisar a cena brasileira, essa perspectiva ajuda a entender por que práticas autoritárias parecem perigosamente necessárias pra muita gente boa. Medidas que censuram opiniões divergentes ou fragilizam o devido processo legal, acabam reproduzindo a lógica maquiavélica de que “os fins justificam os meios” — a mesma que justificou a intervenção militar e as suspensões de direitos em 1964. Ainda que não se repitam de forma idêntica, esses mecanismos operam na mesma lógica da exceção, convictos que estão os seus operadores de que, ali na frente, tudo volta ao normal. A história mostra os custos dessa hipótese.
Os excessos do Superior Tribunal Federal – STF – são só um entre os maus exemplos. Desde a proibição a Lula de conceder entrevista em 2018 até às restrições de comunicação de Bolsonaro, tudo é patético. E estão entremeadas por várias decisões autoritárias, com impedimentos a liberdades individuais, além de injustiças que jamais serão esquecidas. Elas ainda terão peso na conflagração política e ideológica que mantém o Brasil preso no buraco do atraso, enquanto essa gente toda é bem paga pra nos manter longe do caminho do desenvolvimento.
O risco de naturalizar o autoritarismo em nome de objetivos elevados está justamente em legitimar a cultura política de exceções. A história mostra que, uma vez abertas, essas brechas são difíceis de fechar, porque os mesmos meios serão reutilizados por futuros governos, independentemente da orientação ideológica. Quem deles exorbita, por eles será exorbitado. Nesse sentido, o aprendizado de 1964 permanece atual: democracia não se defende suspendendo seus próprios princípios. Isso só semeia a discórdia e reproduz a mentalidade da vingança e do atraso.
O Brasil terá mais uma chance: 2026. Mas há um país profundo e resiliente, iliberal na Educação e na política manifesta nos três poderes, que precisa ser debatido com igual profundidade e resiliência. Que venham as eleições e se aprofunde, desde já, o debate. Enquanto isso, demagogos, falsos patriotas no estrangeiro e justiceiros ordinários nos levantam o dedo médio, como fez recentemente um babaca desses, sem vergonha na cara, sem dignidade à sua função. Que sigamos debatendo o Brasil como nos parece, em busca do País que podemos ser, defenestrando esses bastardos inglórios das notas de rodapé da história.
Walter Marcos Knaesel Birkner, Canal no Youtube: SC Think Tank






“Em 1º de abril de 1924, o austríaco Hitler era considerado culpado pelo crime de alta traição, mas sua pena em razão de “circunstâncias atenuantes” poderia variar de cinco a 15 anos.
O tribunal considerou que Hitler agiu com sentimento patriótico e motivos nobres. Um golpista patriota. Hitler pegou a pena mínima, cinco anos, podendo receber liberdade condicional após seis meses.
Nota relevante: o simulacro de julgamento foi considerado uma vitória gigantesca de Hitler, do nazismo e dos golpistas. E Hitler foi solto, em liberdade condicional, em 20 de dezembro de 1924. A tentativa de golpe de Estado — ou o crime de alta traição — cuja pena era a perpétua — rendeu ao comandante nazista oito meses e meio de prisão, tempo em que escreveu sua obra Mein Kampf.
O resto sabemos.
Ou não sabemos?”