Opinião | Supremo em crise de identidade: indicado do Temer prende bolsonarista e o do PT passa pano

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O Brasil é o único lugar onde nem os ministros seguem o manual de instruções.

No Brasil, a única regra que nunca falha é a da incoerência. Nosso Supremo Tribunal Federal, por exemplo, resolveu inovar: agora, quem prende bolsonarista é o ministro indicado por um governo golpista, e quem vota contra as ações de contenção da extrema-direita é o ministro ungido pela então presidenta do PT. Tá confuso? Ótimo, essa é exatamente a intenção.

Comecemos com Alexandre de Moraes. Indicado por Michel Temer — sim, aquele Michel Temer, que assumiu após o impeachment de Dilma Rousseff, num dos episódios mais questionáveis da democracia recente —, Moraes virou o super-herói de toga da esquerda institucionalizada. O homem que já foi secretário de segurança do PSDB, ministro da Justiça de um governo considerado ilegítimo por milhões, agora é o paladino da ordem democrática, combatente de fake news, defensor do Estado de Direito e algoz dos blogueiros golpistas.

É claro que os bolsonaristas o odeiam. Afinal, foi ele quem mandou prender Daniel Silveira, restringir as redes sociais da turma do Zap e conduzir com mão de ferro os inquéritos que desmascararam a tentativa de golpe em 8 de janeiro. A direita raivosa clama por liberdade de expressão, mas esquece que liberdade não é licença para ameaçar ministros, planejar ataques ou derrubar instituições.

E aí entra Luiz Fux. Nomeado por Dilma Rousseff em 2011, era, à época, comemorado como mais um passo do PT rumo a um Judiciário progressista e comprometido com a Constituição Cidadã. Porém, algo aconteceu no caminho entre o Planalto e a Praça dos Três Poderes. Hoje, Fux atua como o contraponto “liberal” dentro da corte, votando contra propostas de regulação das redes sociais, divergindo de Moraes em temas ligados à desinformação e, para delírio dos colunistas conservadores, discursando em nome da “liberdade de expressão plena”.

Ou seja, no STF atual, quem age como linha-dura contra golpistas foi colocado lá por Temer. E quem sinaliza garantismo seletivo e discurso palatável à nova direita foi presente do PT. A ironia dessa inversão é digna de análise freudiana — ou de uma boa sessão de terapia institucional.

Mas talvez a explicação esteja no Brasil profundo. Aqui, ministros não se guiam apenas pelas ideias de quem os nomeou, mas pelo jogo político do momento. O Supremo, que deveria ser o ponto de equilíbrio entre os Poderes, virou um tabuleiro onde as peças se movem conforme o vento — ou os holofotes.

Alexandre de Moraes pode até ter sido fruto de um governo nascido de um impeachment polêmico, mas hoje ele é o último bastião institucional que separa a democracia de um delírio autoritário. Já Fux, com seu passado acadêmico e postura moderada, parece mais preocupado em manter o decoro jurídico do que enfrentar o caos político.

No fim das contas, talvez a maior prova de que vivemos tempos bizarros seja justamente essa: o ministro do Temer virou ídolo da esquerda e o do PT parece só querer distância de qualquer coisa que lembre regulação ou controle social.

No Brasil, a toga é preta, mas os papéis são cada vez mais cinzentos.

Marco Antônio André, advogado e ativista de Direitos Humanos

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