O declínio moral da humanindade

Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Por Gaudêncio Torquato

Jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação.

 

A decadência moral da Humanidade está em curso e se espalha como metástase nos corpos das Nações, embrulhada – pasmem – no celofane de avanços e progressos. Os valores do espírito – a ética, a moral, o respeito aos mais velhos, a proteção às crianças, a verdade, a disciplina, o zelo, a ordem, a solidariedade – são enxotados da paisagem dos costumes para ceder lugar a outros valores, esses cunhados no metal que compra coisas materiais. Aqui e alhures, a ambição reina. A invasão bárbara da modernidade, puxada pela locomotiva da globalização, chega ao centro e ao fundo da sociedade mundial nivelando comportamentos e banalizando desejos.

Estamos vivenciando um choque gigantesco, global, como prega Samuel P. Huntington, entre a Civilização e a barbárie. Ameaças rondam as conquistas das Nações nos campos da religião, arte, filosofia, ciência, tecnologia, enfim, em todos os espaços do conhecimento. Floresce um relativismo moral e cultural, abrem-se as comportas da ilegalidade, expande-se o comércio de drogas e de armas, gerando uma onda global de criminalidade.

Estados fracassados, declínio de ideologias, amortecimento de partidos, debilitação da família, quebra da confiança e corrosão dos eixos da política compõem os traços da paisagem anárquica nos quadrantes da Humanidade. A lei do revólver se instala. Jovens, submetidos aos vícios e costumes dos tempos modernos – o bullying, a competição acirrada, os games de lutas e guerras, o heroísmo dos matadores, a solidão no meio da multidão – acabam arranjando os meios que eternizarão suas imagens e sonhos. A comunicação tecnológica faz sua parte, unindo o aqui e o fim do mundo. Consolida-se uma rede transnacional de feitos de horror, como esses praticados por “heróis mascarados” que invadem escolas, atiram a esmo, deixando um rastro de mortes e sangue.

Em breves linhas, este é o cenário que pode explicar, em parte, o evento bárbaro ocorrido na Escola Estadual professor Raul Brasil, em Suzano, Grande São Paulo, em que Guilherme Tadeu, de 17 anos, e Luiz Henrique, de 25, atacaram alunos e funcionários, matando oito pessoas. Fechando a cena de horror, Guilherme matou o comparsa e se matou. Imagens parecidas: em abril de 1999, dois estudantes invadiram a escola secundária Columbine, nos EUA, matando 13 pessoas e deixando 21 feridas. Em 2012, atirador mascarado matou 12 pessoas e feriu 50 em Denver, no Colorado, durante estreia do novo filme de Batman dentro em uma sala de cinema lotada.

O fato é que eventos como esses precisam ser analisados sob a perspectiva das grandes transformações por que passa o planeta. Restringir a questão à dualidade armamento/desarmamento é ter visão curta. Se os professores tivessem armas, não haveria tal matança em Suzano, garante um senador paulista. Ora, que garantia é essa? Poderia ser pior. Urge entender a realidade do jovem, com seus problemas de saúde mental, verificar meios que poderiam melhorar a proteção às escolas, envolver famílias e comunidade nos projetos educacionais, entre múltiplas ideias.

Huntington sugere pistas que podem ser seguidas, entre as quais o compartilhamento dos valores-chaves comuns das religiões – cristianismo ocidental, ortodoxia, hinduísmo, budismo, islamismo, confucionismo, taoísmo, judaísmo – com o fito de desenvolver uma civilização universal. Importa, sobretudo, evitar o fortalecimento do “paradigma do caos”, ancorado na quebra mundial da lei e da ordem.

Os avanços civilizatórios nos campos da biotecnologia, da inteligência artificial, da agricultura e das comunicações serviriam, afinal, para quê ante o descalabro que se multiplica, seja em sistemas consolidados, seja em democracias incipientes? Os choques trazidos pela contemporaneidade constituem ameaça à paz mundial e têm muito a ver com a pobreza de argumentos de políticos e governantes, para os quais armar a população é a alternativa capaz de assegurar paz e bem estar. Pode ser justamente o contrário.

 

 

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