Museu de ecologia Fritz Müller: O homem, a fauna e a flora

Tamara da Silva Sedrez

A rua que liga os municípios de Blumenau e Gaspar (SC), localizada na margem direita do Rio Itajaí-Açu, é o local onde se encontra o museu que mantém viva a memória de Fritz Müller, o alemão que dedicou sua vida à ciência. Naturalista, botânico, doutor em filosofia e professor de álgebra e história natural, Fritz Müller dedicou-se ao estudo da fauna e da flora de Santa Catarina.

O museu foi fundado em 17 de junho de 1936 pelo então prefeito de Blumenau, Alberto Stein, cujo mandato havia se iniciado apenas três meses antes. Nele, são abordados com clareza a história de Fritz Müller, a fauna e a flora local e os diferentes ecossistemas da região. Seu patrimônio é composto por seis salas, nas quais estão distribuídas diversas coleções de animais taxidermizados ou conservados em meio líquido, insetos, fósseis, ossos e bens que pertenceram à Fritz e sua família. As cartas trocadas pelo naturalista e Charles Darwin também estão arquivadas no local.
Ao entrar na primeira sala, nos deparamos com um móvel formado por diversas gavetas que, ao serem abertas, expõem insetos como borboletas, mariposas, joaninhas, gafanhotos, aranhas, entre outros. Na sala há também a história do biólogo apresentada em banners fixados na parede.
Nos outros cômodos encontram-se animais taxidermizados, bem como imagens que mostram as etapas da taxidermia, animais empalhados e conservados em líquido, fósseis, móveis e objetos que pertenceram a Fritz Müller e sua família, incluindo instrumentos indígenas, com os quais ele teve uma grande afinidade.

Foto: Tamara da Silva Sedrez

Ao lado da porta que leva à segunda sala, há uma mesa na qual fica o livro onde as pessoas assinam seus nomes para registrar sua passagem. A visita realizada pela nossa equipe no dia 15 de setembro de 2018 ficou registrada nos números 13.896 e 13.897.

O museu, que atende cerca de 4.000 visitas anuais, está sob a gestão da Fundação Municipal do Meio Ambiente (FAEMA) e recebe atrações esporádicas que contribuem para o aumento de visitantes. No mês de junho, por exemplo, o museu recebeu algumas atrações referentes ao Junho Verde, mês do meio ambiente. A operação Caixae – Água, coordenada pelo professor Maurício Capobianco Lopes, da FURB é uma delas. Trata-se de uma atividade, exposta no museu de 12 a 16 de junho, que buscou trabalhar os recursos hídricos, abordando cinco conteúdos: relevo, bacia hidrográfica, rios e nascentes, áreas de preservação permanente e ocupação humana. Na ocasião, cinco escolas da cidade foram atendidas. Ao todo, aproximadamente 361 pessoas foram recebidas no mês de junho.
Além disso, o museu recebeu no dia 23 de novembro de 2017 a visita de Hugo Brookes, bisneto de Fritz. O objetivo de sua visita foi verificar a prova da existência das 56 cartas trocadas entre Fritz Müller e Charles Darwin. Hugo é neto de Johanna Müller e atualmente está com 81 anos.
Anexo ao museu está o Centro de Educação Ambiental Rodolfo Gerlach, no qual há um auditório com capacidade para 40 pessoas, um espaço para exposições, reuniões e eventos. No jardim, podem ser observadas espécies plantadas pelo próprio Fritz Müller.
Devido aos danos causados pela forte chuva que atingiu a cidade em 2008, o museu teve de ser fechado e assim permaneceu durante quase quatro anos. Ele foi restaurado e reaberto para visitas em 2012, porém, outras restaurações estão previstas para breve. Serão realizadas mudanças na sua estrutura externa e interna, como preparativo para comemoração do bicentenário do naturalista, que será em 2022. Além disso, será feita uma busca histórica sobre Fritz Müller em outros museus, como na Europa, e em universidades brasileiras.
A reforma será dividida em duas partes: o restauro do museu e a construção de um anexo de apoio, mas ambas farão parte do Museu Fritz Müller. Segundo o presidente da FAEMA, Eder Boron, a ideia principal é fazer a restauração total do museu Fritz Müller, a fim de criar um museu interativo, mais moderno e que traga maior número de visitantes, tanto pelo acervo, quanto por ser o local onde Fritz residiu. A casa original do naturalista, que tem a arquitetura enxaimel, é a terça parte da construção atual, pois ao longo do tempo foram realizadas algumas adequações na estrutura para atender a demanda crescente do museu.

No ambiente externo também será construído uma espécie de auditório ao ar livre, para que seja possível fazer educação ambiental no modelo de observação da fauna e flora, já que Charles Darwin costumava chamar Fritz de “Príncipe dos Observadores”. Anexo ao museu está prevista uma estrutura moderna e ecologicamente correta, que abrigará no futuro a curadoria do museu, a biblioteca, salas de estudos e pesquisas, laboratório para a taxidermia e um auditório com capacidade para 60 pessoas, no qual pretende-se realizar exposições de arte ambientais, projetos culturais e realização de eventos voltados à educação cultural e ambiental. “Vamos resgatar a arquitetura enxaimel da casa original, restaurar o telhado para evitar problemas com o acervo e remodelar os ambientes interno e externo do museu, sempre preservado as questões históricas” esclarece Eder.

O acervo de animais

Foto: Tamara da Silva Sedrez

 

Foto: Tamara da Silva Sedrez

Ao longo de seus 82 anos o museu foi recebendo uma variedade de animais para exposição. Animais que foram recolhidos mortos passaram pelo processo de empalhação, atividade similar a taxidermia. Existem diversas espécies de animais expostos, tanto animais típicos da região, como por exemplo a capivara e o bugio, como de outras partes do Brasil, como o jacaré. Além destes, também existem cobras de diversas espécies conservadas em vidros com um produto líquido. Aranhas, besouros, borboletas e bicho-pau são exemplos de insetos que podem ser encontrados lá.

Ao vir para Blumenau, Fritz Müller criou uma aproximação com indígenas que habitavam a região. Naquela época, povos indígenas podiam ser facilmente encontrados, diferentemente de hoje. Como recompensa pelo convívio com os índios, Fritz recebeu alguns itens que pertenceram a eles, vestimentas e instrumentos de caça, como flechas e martelos de pedra. Esses materiais estão expostos no museu atualmente.

Puma, também conhecida como onça-parda, suçuarana ou leão-baio. Foto: Alan Carlos Gonçalves

Entre os animais expostos, pode-se observar um exemplar da onça-parda. Este animal, que é um mamífero carnívoro da família dos felinos, é encontrado originalmente nas américas. É um animal de hábito solitário e prefere caçar à noite, sua dieta é bem variável e por muitas vezes pode ser considerada uma oportunista. A onça-parda não é um animal considerado em risco de extinção por aqui, mas lamentavelmente foi declarada extinta nas terras norte-americanas este ano. Lá a prática da caça é bem difundida, um dos fatores que resultou neste fato. Os atropelamentos e a retaliação por ataques a gado também contribuíram.

Repercussão do incêndio no Museu Nacional

Com o incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro em setembro deste ano, o Brasil sofreu uma perda irreparável em seu acervo histórico. Entre os itens perdidos, por exemplo, estava “Luiza”, que nada mais era que o fóssil humano mais antigo já encontrado no Brasil, descoberto em 1974, o qual teria cerca de 11.300 anos. Diante de tal tragédia, muitas pessoas começaram a se questionar sobre a segurança dos museus brasileiros e deram início a um mutirão para manter em segurança os artigos expostos.

O Museu de Ecologia Fritz Müller tem entrada gratuita para visitação e a procura pelo local varia de acordo com a época do ano ou as atrações realizadas. As reformas previstas visam torná-lo mais atrativo para que assim, mais pessoas tomem conhecimento de toda a história que nele está conservada.

História de Fritz Müller

O ano em que, às margens do Rio Ipiranga, foi proclamada a Independência do Brasil, foi o mesmo ano em que nasceu Fritz Müller. Em 31 de março de 1822, a aldeia de  Windischholzhausen na Alemanha foi o berço onde Johann Friedrich Theodor Müller veio ao mundo. Filho de um pastor evangélico, que dedicou-se a sua alfabetização, Fritz foi criado em um ambiente religioso e intelectual. Seu interesse pela ciência começou cedo, quando seu avô materno e seu tio, ambos químicos e farmacêuticos, encantaram-no com a farmácia.

Decidido a tornar-se um naturalista, Fritz Müller ingressou na Universidade de Berlim. Sua inclinação à filosofia levou-o a dedicar também o seu tempo aos estudos do pensamento. Seu primeiro trabalho científico sobre as sanguessugas foi tema de sua tese para obtenção do título de Doutor em Filosofia. Este trabalho foi publicado em 1844 na revista Archiv für Naturgeschichte, cuja tradução significa Arquivo Para História Natural.

Após sua habilitação em filosofia, ingressou no magistério em Erfurt, porém, seis meses depois desistiu da carreira de professor e matriculou-se no curso de medicina da Universidade de Greifswald.

“Assim me ajudem Deus e o Sacrossanto evangelho”

Ao concluir o curso de medicina, durante a colação de grau, Fritz recusou-se a pronunciar uma frase do juramento por envolver religião. Ele solicitou permissão para efetuar o juramento judaico, no qual não havia menção ao auxílio divino, mas o pedido lhe foi negado. Firme em suas decisões, Fritz Müller não colou grau, fato que o impediu de exercer a medicina. Apesar disso, os estudos e investigações zoológicas jamais foram abandonados.

“Eu escolhi o Brasil, em primeiro lugar, por causa da sua rica fauna e flora”

Foi então que decidiu emigrar para o Brasil. No dia 19 de maio de 1852, embarcou em um veleiro em Hamburgo com Karoline Tollner Müller, sua então esposa com quem se casou para evitar que emigrasse como concubina. No Brasil, Fritz atuou como professor e passou por tempos muito produtivos.

Fritz e Karoline tiveram dez filhos. Louise (a primeira filha do casal, falecida aos três anos de idade), Johanna, Rosa, Agnes, Emma, Thusnelda, Selma, Martha, Linda e um filho de nome desconhecido que faleceu nas primeiras horas de vida.

Foto: Tamara da Silva Sedrez

 

Foto: Tamara da Silva Sedrez

Acima, imagens de quatro de suas filhas expostas no museu. Johanna, Selma, Agnes e Rosa, respectivamente. Abaixo, quadros pintados por Rosa Müller e Johanna Müller.
O Príncipe dos Observadores
“A origem das Espécies”, obra publicada por Charles Darwin em 1859, veio ao conhecimento de Fritz Müller em 1861, que acabou por se tornar seu colaborador assíduo. Fritz é pioneiro na defesa da teoria darwiniana e, empolgado com tal ideia, resolveu aplicá-la em seus estudos sobre crustáceos. Como resultado, deu origem ao livro “Für Darwin”, publicado na Alemanha em 1864. O livro chegou ao conhecimento de Darwin um ano depois, fato que deu início a uma correspondência contínua, uma grande troca de informações científicas e uma forte amizade que durou 17 anos, até a morte de Charles Darwin.
Fritz Müller faleceu em 21 de maio de 1897, aos 75 anos e foi sepultado no Cemitério da Comunidade Evangélica, em Blumenau. Como legado, deixou cerca de 248 trabalhos, que encontram-se distribuídos em diversos museus do mundo.

Foto: PMB

Texto: Tamara Sedrez e Alan Gonçalves.

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