É preciso ajudar o “Ricardo” a pensar uma proposta educacional consistente

Por Dr. Sandro Luiz Bazzanella – Docente das Disciplinas de História da Filosofia e de Ética (UNIASSELVI – Indaial – SC)

As melhores lições são as da história. E o que a história pode nos ensinar? Muitas coisas, mas, sobretudo, compreender variáveis do mundo em que nos encontramos inseridos. Entre estas variáveis está o fato de que os seres humanos não evoluem. Desde tempos imemoriais sentimos medo, fome e frio. Disputamos o pão, um pedaço de terra. Fazemos esforços para acumular riquezas, gastamos energia para sermos mais competitivos em relação ao nosso vizinho, ao concorrente. Olhamos com estranhamento aquele que é diferente de nós. Se ele se aproximar excessivamente reagimos. A intensidade da reação se dá na mesma medida da intensidade do estranhamento.

Os seres humanos, em determinadas circunstâncias, demonstram solidariedade, altruísmo. Em situações limites estão dispostos a entregar a própria vida para salvar outra vida, mas o inverso também é verdadeiro. Os seres humanos são capazes de cometer as maiores atrocidades e violências. Dizimam-se uns aos outros. Desconsideram o sofrimento alheio, quando não o intensificam aos limites da suportabilidade. Afinal, o que é o homem? O que é o ser humano? Evidentemente não se trata aqui de defesa de um pessimismo antropológico. Muito menos de um otimismo, mas de reconhecer que o desenvolvimento das potencialidades do humano está intimamente vinculado a uma proposta educacional consistente. Ou dito de outra forma, a educação é o único caminho para afirmação da socialidade humana, bem como, estratégia eficiente e eficaz para alcançar significativos desenvolvimentos que proporcionam às comunidades e povos consistência civilizacional.

Uma sociedade que almeja alcançar a civilidade necessita cuidar de suas crianças, de seus adolescentes e de seus jovens. As jovens gerações são o bem mais precioso que um povo possui. Nesta perspectiva, uma nação, um povo, uma comunidade que almeja distinção civilizatória necessita assumir a responsabilidade de constituir uma proposta educacional consistente que apresente o mundo de forma intensa, instigante e motivadora das potencialidades constitutivas de cada educando em sua singularidade. Ademais também é preciso ter presente que a educação necessita ser internalizada como contínuo esforço de aprendizado e qualificação da vida e das relações ao longo de toda uma vida.

Sob tais pressupostos, a consistência de um projeto educacional de extensão nacional pode ser alcançada se observarmos e respeitarmos algumas condições, entre elas: 1ª – A educação deve ser pública, gratuita e de qualidade. É um direito de todos os brasileiros (Constituição de 1988); 2ª – Respeito às especificidades locais, regionais e estaduais, descentralizando os debates e os encaminhamentos educacionais. A  centralidade de Brasília na gestação e implementação de propostas públicas está fadada a resultados parciais em função da desconsideração das especificidades antropológicas, climáticas, sociais, políticas, econômicas e culturais locais; 3ª – É preciso envolver a sociedade local, regional e nacional no debate e na ação em prol de uma educação de qualidade compreendendo definitivamente de que educação não é “despesa”, mas “investimento”. Ou seja, uma proposta educacional consistente precisa observar detalhes que são cruciais, afinal o inferno reside nos detalhes, entre eles:

  1. a) Os prédios das escolas precisam ser repensados em sua estrutura arquitetônica. É preciso abandonar a arquitetura da fábrica e do presídio e pensar o prédio e os espaços da escola a partir da lógica do Shopping Center: atraente, limpo, higienizado e tecnológico. A arquitetura é a mais pública das obras de arte. Conviver com o belo permite à criança desenvolver senso estético, o apreço pela beleza das formas, do pensamento e das ações.
  2. b) É preciso implementar a escola em período integral, com currículo definido, bem como com grade de atividades complementares fundamentais na formação dos educandos ao longo de todo o período de permanência na escola.
  3. c) Estudantes precisam ser bem alimentados. Estudar consome muita energia associado ao fato de que estão em fase de crescimento e desenvolvimento de seus corpos.
  4. d) É imprescindível que a escola tenha uma boa biblioteca. O apreço pelos livros se desenvolve a partir do manuseio e do contato cotidiano. Laboratórios são imprescindíveis na relação teoria e prática. Internet e novas tecnologias necessitam ser disponibilizadas a partir de consistente projeto pedagógico aos educandos.
  5. e) E, sobretudo, é preciso que a escola seja o centro das atenções da comunidade educativa. Direção, professores, pais, funcionários e todo e qualquer cidadão precisam acompanhar, cuidar, estimular e prestigiar o ambiente escolar; conferir apoio às iniciativas educacionais; acompanhar os índices alcançados pelas escolas nos exames de avaliação nacionais e sugerir mudanças em todos os aspectos que se fizerem necessários para que a escola se apresente como referência de promoção de conhecimento e de formação de qualidade.
  6. f) Disponibilizar bolsas de estudo para os jovens carentes que frequentam o ensino médio, permitindo que possam dedicar tempo integral aos estudos, evitando que se lancem desesperadamente ao mercado de trabalho, situação que contribui sobremaneira para o abandono da escola.
  7. g) Desenvolver programas de orientação aos jovens para que possam livremente fazer escolhas pós-ensino médio entre a continuidade dos estudos em âmbito profissionalizante e adentrar na universidade.
  8. h) Disponibilizar bolsas de estudo para estudantes universitários de baixa renda para o alcance da excelência de sua formação acadêmica e profissional.

4º Todos os aspectos  acima mencionados necessitam vir  acompanhados da valorização da atividade docente. É urgente que a sociedade brasileira reconheça que o desprezo, o descaso e a desconsideração do professor compromete o desenvolvimento  da sociedade local, regional e nacional em sua totalidade. Assim, a valorização do professor é o segundo pilar de afirmação de uma proposta educacional suficiente. Valorizar o profissional da educação significa:

  1. Piso salarial equivalente a outras carreiras entre elas:  médicos, membros do judiciário, militares, políticos do legislativo e do executivo. São funções cujas responsabilidades são equivalentes. Aliás, o trabalho de sala de aula é o resultado de horas e dias de estudos, pesquisas e preparação. E, sobretudo, de extensas horas de correção de avaliações e mensuração dos resultados obtidos pelos educandos, bem como de elaboração de diagnóstico das deficiências de aprendizagem e o realinhamento de programa de ensino.
  2. A equiparação salarial é fundamental para que professores também possam ter acesso aos bens culturais necessários a sua atividade profissional, entre eles: ter assinatura de revistas de sua área de conhecimento. Ter assinatura de jornal de circulação nacional e estadual para se manterem informados e atualizados. Ter condições de acesso à internet de qualidade,  a teatro, a cinema e a viagens de estudo e pesquisa.
  3. É preciso que professores assim como membros judiciários, deputados, senadores, entre outros, tenham acesso a auxílio para compra de livros. Os membros do judiciário possuem auxílio-moradia, auxílio-saúde, auxílio-educação… É uma necessidade intransferível que os professores tenham auxílio para compra de livros para seus estudos e pesquisas. É uma aberração o fato de professores que necessitam comprar um livro para seus estudos tenham que retirar recursos de seu mísero provento mensal.
  4. É preciso que os professores tenham um plano de carreira, bem como um tratamento previdenciário diferenciado em função da natureza de sua atividade profissional ser o fundamento de qualquer proposta civilizacional. É preciso extinguir a condição de contrato temporário na educação. Desconsiderar tal condição é perpetuar a estratégia obtusa e anticivilizatória há muito afirmada e reproduzida nestas terras.
  5. É preciso um programa de progressão salarial para os  professores baseado em sua produtividade e publicação científica. Tal estratégia premiará professores dedicados à pesquisa e à publicação delas, permitindo que cada um componha seu salário para além do piso a partir de seu comprometimento com a pesquisa. Ademais esta estratégia permitirá o acompanhamento da produtividade dos professores sem a necessidade de custos com a realização de exames e provas.

Mas, você deve se perguntar: de onde podem vir os recursos para tudo isto se o estado brasileiro acumula déficit? Responderei como Messias, que entre nós atende pelo nome de Guedes: “Simples! Vamos equiparar os salários dos professores aos dos membros do judiciário, militares, políticos do legislativo e do executivo, cortando pela metade os salários destas categorias privilegiadas. Repartiremos com os professores as passagens aéreas que os congressistas têm direito de usufruir para retorno aos seus estados semanalmente. Afinal, com todas as regalias à disposição não deve ser tão ruim assim ficar em Brasília por quinze dias. Cortaremos o auxílio de mudança que deputados e senadores possuem ao iniciar, ou encerrar um mandado, entre tantas outras regalias que aqui poderiam ser anunciadas. Evidente que  necessitaremos de mais recursos. Implante-se tributação sobre grandes fortunas. Cobram-se dividendos dos lucros e bancos e empresas com faturamento líquido acima de um bilhão de reais ao ano. Prioridade de financiamento público para pequenas e médias empresas que investirem em escolas, em bibliotecas e laboratórios escolares, em bibliotecas públicas, entre outras iniciativas assemelhadas…. Tá ok.

É urgente que a sociedade brasileira e, sobretudo nossos dirigentes abandonem os slogans de campanha, obtusidades como “escola sem partido”, “criacionismo”, entre outras pérolas deste gênero. Consumir recursos públicos com debates desta natureza é crime de lesa-pátria diante dos desafios à constituição de uma proposta educacional consistente. Ou dito, de outra forma, o problema  não é cantar ou não o Hino Nacional. O problema é compreender que o Hino Nacional é a expressão das exigências e urgências nacionais para que se alcance uma condição civilizatória decente, de uma nação suficientemente desenvolvida e respeitosa em relação às demandas de seus filhos, bem como em relação aos outros povos e países. Salve! Pátria Amada Brasil!

 

 

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