A “partidarização” do Supremo Tribunal Federal

Foto: DIvulgação STF

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Luiz Carlos Nemetz Destaque
LUIZ CARLOS NEMETZ

Advogado

 

O mês de setembro foi quentíssimo nos meios jurídicos. É que o Presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, Ministro Ricardo Lewandowski publicou no jornal Folha de São Paulo de domingo (13/09/15), um contundente artigo – “Judicatura e dever de recato”, pelo qual condena com veemência a prática, por parte de juízes brasileiros, do que denomina de “posturas ideológicas”, instando aos magistrados a adoção de condutas de “imparcialidade”.

Ora, quem integra a comunidade jurídica sabe que o artigo em questão teve domicílio certo.

De modo especial, Lewandowski antecipou-se ao voto do também Ministro e ex-Presidente do STF, Gilmar Mendes no processo em trâmite no STF que julgou inconstitucional o financiamento de campanhas por empresas no Brasil; ao posicionamento do mesmo Ministro junto ao Superior Tribunal Federal no processo que vai julgar as contas da campanha eleitoral de 2014 da Presidente Dilma Rousseff e do seu vice Michel Temer; e, com olhar de soslaio, mandou um recadinho de entrelinhas para o juiz federal Sérgio Moro, que além de conduzir o processo penal que apura a prática de corrupção na Petrobrás, anda país a fora, participando de eventos jurídicos de “conotação científica” com certa pinta estrelar.

O STF hoje é uma extensão da sociedade brasileira e está dividido entre os que são a favor e os que são contra o governo Dilma. Há também, uma massa que assiste tudo e não participa de nada, não estando nem aí que o circo esteja pegando fogo…

A guerra interna do STF se confirmou no decorrer da semana, com mais uma batalha tática entre as duas forças que infestam aquele Tribunal.

Lewandowski tem pouca moral para pregar recato, imparcialidade e moderação. Em que pese sua sólida formação acadêmica, sua carreira e sua história, seus votos no julgamento da ação penal 470 – o chamado processo do mensalão – arranharam sua biografia, irremediavelmente. Portou-se e segue se conduzindo, como diria Odorico Paraguaçú, imortal personagem de Dias Gomes em “O bem amado”, como um “governista militante descarado”.

Engana-se, também, quando prega “neutralidade política” do STF. O STF é um órgão jurisdicional eminentemente político. O que não significa que seja ou deva adotar medidas partidárias ou de defesa ideológica. Ou, o que é pior ainda, de defesa de um “sistema” de governo com nítida contaminação doutrinária que agrada alguns e amedronta outros.

Mas, se percebermos a conduta do Presidente do STF, foi dele que partiu, embora com certa classe e discrição, a verbosidade indiscretamente defensiva do Governo Dilma e de alguns dos seus integrantes declarados culpados e criminosos pelo próprio STF, em suas condutas e votos.

O que Gilmar Mendes tem feito é reagir, na mesma intensidade e em sentido contrário, às posturas do Presidente da Corte. Sem a mesma classe e sem a mesma capacidade de falar por entrelinhas, é verdade… Mas sua posição também está clara. É de defesa de outro grupo de interesses que também, a seu modo e ao seu tempo, aparelharam o Estado com condutas – diríamos – não muito ortodoxas e isentas de santidade.

Gilmar Mendes, por sua vez também já fez e faz das suas… Não esconde de ninguém as suas preferências ideológicas e pessoais, ou mais que isso, suas antipatias.

Então, aos mais atentos, não escapa a observação induvidosa: Lewandowski é um homem do governo Dilma dentro do STF. E, Gilmar Mendes, é um homem de oposição ao governo Dilma dentro do STF.

Existem outros Ministros que também fazem parte desta perigosa divisão? Sim, existem outros e outras…

A quem interessa o protagonismo destas duas figuras e das suas lutas ideológicas, se é que podemos falar assim, de suas posições institucionais?

Eu mesmo respondo: a ninguém! Ambos não estão dignificando o manto sagrado que usam, chamado de “toga”, o qual simboliza a pureza, imparcialidade, isenção, austeridade, integridade, prudência, honra, e outros atributos que são inafastáveis da sagrada missão da magistratura num estado democrático de direito republicano. Sobretudo quando falamos do Supremo Tribunal Federal, guardião maior da Constituição Federal.

Assim como grande parte da sociedade assiste muda à cizânia ideológica da nação, dividida maleficamente em ricos e pobres, coxinhas e pixulécos, isso e aquilo, vemos também alguns dos demais ministros do Supremo Tribunal Federal assistirem a tudo adormecidos em berço esplêndido.

Foto: DIvulgação STF
Foto: DIvulgação STF

E isso é grave? É gravíssimo!

Causa espanto que em pleno século XXI, que os demais integrantes da Corte, símbolo máximo de um dos três poderes da república, sigam se comportando com métodos da cultura imperial lusitana do século XIX, omitindo-se de intervir de forma imediata e firme na conduta equivocada de seus pares. É preocupante o aparelhamento institucional do poder judiciário por pessoas que pintam suas togas com as cores deste ou daquele conjunto de interesses ideológicos e partidários.

A seguir este ritmo, dentro de pouco tempo, teremos uma Corte Constitucional que ao invés de dar a última palavra sobre as questões de Estado, servirá como mero poder moderador, dominada pelos “contra” ou pelos “a favor”.

A sociedade deve ficar atenta. Estão reunidas as condições ideais de temperatura e pressão para o surgimento de um rompimento social que talvez seja inédito na nossa história.

Dissensos são comuns em órgãos jurisdicionais coletivos. Mas não é da função jurisdicional a defesa ou a condenação deste ou daquele governo. Aos juízes somente fica adequado um império, que é o construído sob o comando da lei e do justo.

Tudo o mais é nitroglicerina pura. Prestemos atenção nos sinais. E mais que isso, prestemos atenção nos sinalizadores. Caso contrário o pêndulo da balança pode cair nas nossas cabeças mais rápido do que podemos imaginar.